Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Versões e variações dos jornais sobre a acareação da CPI dos Bingos

O noticiário de hoje dos sete jornais mais influentes do Brasil – Folha de S.Paulo, Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, O Globo, Valor Econômico e Correio Braziliense –, sobre a acareação entre os irmãos do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, e o chefe de Gabinete do presidente da República, Gilberto Carvalho, é exemplar. Ele oferece ao leitor a oportunidade de separar o joio do trigo. Além disso, propicia a identificação dos muitos interesses em jogo. A dose de espetaculosidade que cada um dos jornais emprega na apresentação da acareação, por exemplo, serve não apenas como recurso hipotético para aumentar as vendas em banca, mas também para verbalizar interesses partidários.

Bruno Daniel e João Francisco, de um lado da bancada, e Gilberto Carvalho, na outra ponta, mantiveram mais de sete horas de transmissão direta pela televisão – para, ao final, não esclarecer coisa alguma. O mistério que cerca o seqüestro, seguido de morte, do ex-prefeito, àquela altura recém-escolhido como coordenador da campanha eleitoral que levou Lula à Presidência, continua indecifrável. O confronto entre as partes não serviu apenas para a apresentação de constrangimentos ao vivo. Serviu, principalmente, para reforçar que o interesse de muitos parlamentares com as CPI é aparecer – e, para isso, quanto mais bombástica for sua participação, maior espaço estará garantindo na repercussão dos jornais no dia seguinte.

O exemplo mais patente de notoriedade na sessão de ontem, na opinião do jornalista-responsável por esse blogue, foi a do senador paranaense Álvaro Dias (PSDB) que, frise-se, é a fonte mais citada nas reportagens sobre a crise da revista Veja. De novo, a intenção de pôr fogo no curso veio por meio de gravação de origem duvidosa. Desta vez, porém, o grampo não nasceu por iniciativa de arapongas privados – mas sim na Polícia Federal. Pairam dúvidas sobre sua legalidade, porque foram obtidas durante escuta autorizada pela Justiça para investigação de crime por tráfico de drogas – e não para auxiliar na elucidação de outro crime. Ainda assim, Álvaro Dias quis incendiar o circo com a leitura de trechos editados de cerca de 40 horas de gravação. Depois de muito bate-boca e questões de ordem, o senador acendeu o fósforo, mas não conseguiu manter o fogo. Derrotado em seu propósito, literalmente virou fumaça – e desapareceu. Seu interesse era outro – e não colaborar com o esclarecimento do crime.

Além das privacidades trazidas a publico, que constrangeram tanto os irmãos de Celso Daniel quanto Gilberto Carvalho, a acareação de ontem – como concluíram vários senadores – não avançou um milímetro no sentido de esclarecer o crime.

A cada sessão frustrada de CPI, cresce também o descrédito em torno das reais intenções dos parlamentares. Se o Congresso fosse apenas um pouquinho mais sério, acrescente-se a propósito da inutilidade de alguns depoimentos, não teria aprovado a convocação do condenado João Carlos da Rocha Mattos, de credibilidade duvidosa, que aproveitou a ocasião para dizer que ele é o único preso pelo assassinato do ex-prefeito Celso Daniel. Ele gosta de se comparar. Recentemente, disse que sua pena era maior do que o traficante Elias Maluco, condenado pelo assassinato, com requintes de crueldade, do jornalista Tim Lopes. Mesmo com todo seu histórico, Rocha Mattos foi apresentado como fonte confiável – mas nada acrescentou além de gerar expectativa sobre a acareação de ontem.

Esse desmemoriamento sobre quem são as pessoas convocadas, seus históricos e seus interesses é um dos engodos que a mídia impõe continuamente. Não importa o passado de vários dos principais autores da crise – de Roberto Jefferson a Toninho da Barcelona –, mas sim o que eles têm a dizer para manter a platéia estupefata e em suspense.

A seguir, como cada jornal noticiou a acareação:

Folha de S.Paulo

Abre a primeira página com a intenção da Procuradoria da República do Distrito Federal de processar o ex-ministro e atual deputado José Dirceu (PT-SP) e seu filho, Zeca Dirceu, ‘por suposta improbidade administrativa’.
A primeira página traz como foto principal os irmãos de Celso Daniel olhando, com atenção, para Gilberto Carvalho, ao lado da submanchete ‘Carvalho nega acusações de irmãos de Celso Daniel’. No caderno interno, traz uma página com as reportagens ‘Acareação não elimina dúvidas sobre crime’ e ‘Após sessão, Lula deu ‘parabéns’ ao auxiliar’. Na meia página seguinte, a reportagem ‘Carvalho e Dirceu traçaram ‘tática’, diz tucano’ remete para a participação do senador Álvaro Dias e trechos do grampo da Polícia Federal extraídos da cópia que distribuiu para os jornalistas. Depois de anotar que vários CD circulam entre políticos com trechos das gravações da Polícia Federal, o jornal esclarece no último parágrafo:

‘Há diferenças entre a degravação e os CDs (sic). Algumas conversas registradas na transcrição desaparecerem de alguns CDs’

Gazeta Mercantil

Nada na primeira página. No caderno interno, registra:

‘Acareação foi palco de disputa entre a oposição e o governo’

com o seguinte trecho a sustentar o título:

‘A acareação virou um grande palco de disputa entre os governistas, encarregados de defender Gilberto, e a oposição, tentando colar a denúncia no Palácio do Planalto. O senador Antônio Carlos Magalhães queria divulgar ‘pedaços de fitas’, referência a degravações de escutas feitas pela polícia’.
‘Durante a audiência, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) entregou trechos destas degravações de fitas, que na verdade só não foram destruídas porque são a prova da ilegalidade do próprio grampo. Gilberto Carvalho reagiu duramente aos ataques. Ele disse que ‘as forças que se opõem ao atual governo’ têm tirado proveito do episódio. Coube ao senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) defender a oposição. Ele afirmou que Gilberto não foi feliz e que a oposição é ‘fiscalizadora’’.

Jornal do Brasil

Nenhuma manchete exclusiva para a acareação. Assunto foi incluído entre os temas da rubrica ‘O Inferno dos escândalos’, que destaca ‘Lula entrega Dirceu às feras’. Ainda na primeira, o tema recebe a chamada ‘Acareação entre o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, e os irmãos do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, termina em empate, com acusações mútuas e poucos avanços.’.
No caderno interno, a reportagem ‘Só detector de mentiras para resolver caso Celso Daniel’ reflete a inutilidade da acareação.

Não dedica texto específico para as gravações, mas registra:

‘O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) entregou cópia das degravações feitas através de grampos telefônicos. Ele pretendia apresentar trechos das conversas nas perguntas que dirigiria a Carvalho. Gilberto Carvalho reagiu ao ataque e disse que ‘as forças que se opõem ao atual governo’ têm tirado proveito do episódio. O senador não pôde usar o áudio, mas leu trechos de conversas entre petistas sobre a morte do prefeito.

– O depoimento do Klinger foi muito calmo, muito tranqüilo, muito incisivo – divulgou o senador, ao fazer referência à fala do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) a Carvalho. Klinger Luiz de Oliveira Souza, que aparece na conversa, foi secretário de Celso Daniel e é acusado de integrar organização criminosa.’

O Estado de S.Paulo

Dedica a principal manchete do dia ao tema e traz como manchete principal: ‘Gilberto, você era elo do esquema´, acusam irmãos’, com foto semelhante à da Folha de S.Paulo.
No caderno interno, duas páginas. Na primeira, a reportagem principal vem com título um ponto acima da manchete da primeira página: ‘Carvalho era o elo entre quadrilha e o PT, acusam irmãos de Celso Daniel’.
A segunda reportagem da página resume a sessão com ‘Acareação teve tensão, acusações mútuas e parlamentares perplexos’.
A meia página seguinte abre com ‘Fita revela preocupação com rumos do caso’, com trechos das fitas reproduzidos no texto assinado por Fausto Macedo, de São Paulo. Ao contrário dos demais, que registram a entrega de cópias dos diálogos da gravação por Álvaro Dias, publica que o senador ‘leu na sessão trechos de diálogos…’
Após a reprodução do ‘resumo de diálogos do caso Santo André, segundo a PF’, traz ainda nova reportagem informando que ‘CPI recebe depoimento de testemunha de seqüestro’. A ‘pessoa’ que se apresenta (seu nome não é revelado por estar na condição de ‘testemunha protegida’) incrimina o empresário Sérgio Gomes de Oliveira, o Sombra.

O Globo
Dedica a principal foto da primeira página à acareação, não traz chamada para a sessão, mas apenas a legenda destaque para ‘Versões em conflito’.
No caderno interno, quatro reportagens:

1. ‘Irmãos de Celso Daniel mantêm denúncias’, sobre a sessão
2. ‘Petistas orientaram testemunhas do caso Daniel’, com ‘trechos das fitas divulgadas ontem pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR) na CPI dos Bingos mostram que líderes do PT orientaram testemunhas do caso Celso Daniel na véspera de seus depoimentos à Polícia Civil de São Paulo…’
3.’O partido vai entrar meio pesado agora, viu?’’, com reprodução de alguns diálogos ‘das gravações feitas ilegalmente com políticos petistas, depois da morte do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, e apresentadas ontem na CPI’;
4. ‘Lula mantém agenda mas demonstra tensão’.

Valor Econômico
Não traz chamada de capa para a sessão. No caderno interno, reportagem com o título ‘Acareação deixa caso Celso Daniel longe de ser elucidado’, e o seguinte trecho registrando as fitas:

‘A oposição aproveitou a brecha para atacar o governo. Antes da acareação, o presidente da CPI, senador Efraim Morais (PFL-PB), anunciou que requisitara, junto à 4ª Vara da Justiça Criminal de São Paulo, a cópia das 42 fitas gravadas ilegalmente, mostrando os meandros da corrupção em Santo André e a luta da cúpula petista para abafar o caso. Disse ainda que as fitas seriam periciadas pela Polícia Federal ainda ontem e disponibilizadas a todos os integrantes da CPI. No momento de sua intervenção, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) disse que tinha cópia da fita e quis passar trechos da gravação. Os governistas entraram em pânico. ‘Todos nós estamos interessados que a verdade venha à tona, o próprio Gilberto concorda com isso. Mas não podemos passar fragmentos de fitas, que podem estar editadas. Ou ouvimos a íntegra, ou não ouvimos nada’, cobrou o senador Tião Viana (PT-AC). Depois de muita discussão, Dias se viu obrigado a ler trechos transcritos da fita, sem reprodução do áudio. A reação do governo só fez aumentar a desconfiança do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). ‘Eles transformaram a fita em algo muito maior do que ela é. Se ela não traz nenhuma novidade, porque esse pânico todo?’ provocou o tucano’.

Correio Braziliense
Traz na capa foto da sessão com os irmãos com o subtítulo ‘No fim, ficaram todos mal na fita’. No caderno interno, uma reportagem sobre a acareação com o título ‘Um bate-boca político’; outra com o título ‘Gravações suspeitas – Conversas interceptadas por agentes da Polícia Federal mostram suposta tentativa de direcionar depoimentos de testemunhas’.