Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Votos, números e baionetas

Como é que se mede o desempenho dos partidos nas eleições para o governo de mais de 5.500 municípios?

Pelo critério mais óbvio, o do total de vitórias, o PMDB levou a palma, ao fazer 1.203 prefeitos. O PSDB ficou em segundo lugar, com 786 municípios. E o PT em terceiro, com 559.

O PMDB levou a palma também em votos recebidos: 18,4 milhões. O PT, segundo colocado, teve 16,5 milhões. O PSDB, 14,4 milhões.

Mas, sendo o que são as diferenças de população entre os municípios brasileiros, talvez fosse mais relevante considerar apenas os do chamado G-79 (as 26 capitais e as 53 cidades de 200 mil eleitores para cima, aquelas em que pode haver segundo turno). Nesse caso, o PT lidera, com 21 vitórias, seguido pelo PMDB (17) e o PSDB (13).

Outra resposta ainda vem da comparação dos resultados, em cada caso, com os da eleição anterior. De 2004 para cá, o PT ganhou 148 prefeituras. Cresceu, portanto, robustos 36%. O PMDB, 13,8%. Já o PSDB encolheu 20,6%, e o DEM (ex-PFL) 51%.

A esses cálculos, amplamente divulgados pela mídia, o Globo acrescentou na edição da quarta-feira (29/10) a modalidade chamada “taxa de sucesso”, que seria a mais reveladora. Trata-se da proporção de prefeitos eleitos sobre o total de candidatos.

Por esse critério, o PMDB e o PSDB foram os grandes vencedores – elegeram 47% e 46% dos respectivos candidatos. E o PT só elegeu 34%, o índice mais baixo entre as principais legendas.

O problema com a “taxa de sucesso” é que, embora proporcional, ela só seria um termômetro perfeito se todos os partidos lançassem candidatos em todos os municípios. Como isso não se coloca, numa situação-limite, só para raciocinar, o partido absolutamente vitorioso, com 100% de sucesso, seria aquele que lançasse um único candidato a prefeito – e ele se elegesse.

Outro argumento é que, em eleições competitivas num país heterogêneo como o Brasil, quanto maior o número de candidatos de um partido, menor, provavelmente, a sua proporção de vitoriosos. Um partido pode apresentar candidatos em pencas de municípios apenas para se fazer presente, sabendo que perderá em muitos deles.

Já dizia Bismarck que os números são como as baionetas: pode-se fazer tudo com elas, menos sentar em cima. O leitor devia saber disso.

Voto e cor nos Estados Unidos

“Questão racial ameaça tirar votos de Obama”, lê-se no alto da primeira página do Estado de quarta-feira. “A animosidade racial pode ser decisiva na eleição presidencial americana”, informa a chamada.

Há meses que o assunto entra e sai do noticiário. Diz-se que a vantagem de Obama nas pesquisas é ilusória, porque uma parte dos entrevistados – que pode não ser grande, mas seria grande o suficiente para fazer diferença – mente: diz que votará em Obama para não dizer que votará no branco John McCain.

E a toda hora se invoca o “efeito Bradley”, o candidato negro a governador da Califórnia em 1982 que ganhou nas pesquisas e perdeu nas urnas, aparentemente por esse motivo.

Se era para voltar ao assunto, a esta altura, bem que o jornal poderia dar o “outro lado”, citando o artigo de domingo do insuspeitíssimo colunista Frank Rich, do New York Times, chamado “Em defesa dos americanos brancos”.

Depois de dar uma pá de exemplos do mal-disfarçado racismo da campanha republicana, ele sustenta que “nem por isso o país é racista”.

Rich se detém na “obsessão com o efeito Bradley”, como se – nas suas palavras – nada tivesse mudado na América de 1982 para cá. Sem deixar claro por que, ele diz que a diferença entre aquelas pesquisas e os resultados efetivos possivelmente não se explica pelo racismo enrustido dos eleitores. Mas, vinda de quem vem, a contestação é de levar em conta.

“Em 2008, se existe alguma evidência, é de um efeito Bradley ao contrário”, escreve o colunista. Nas primárias, Obama teve mais votos de verdade do que lhe davam as pesquisas derradeiras – ou pelo menos isso aconteceu com mais frequência do que o seu contrário.

Para Rich, a imprensa liberal erra – e a campanha de McCain erra mais ainda ao se valer desse equívoco para confirmar os seus próprios preconceitos.

“Não há e nunca houve um número suficiente de racistas em 2008 para virar a eleição”, ele bate o martelo.

O colunista ressalta que nas pesquisas recentes Obama empata com McCain entre os eleitores brancos homens – o que nenhum outro candidato democrata, Bill Clinton incluído, conseguiu em três décadas.

Em uma semana se saberá se Rich tem razão. Mas agora, falha o jornal ao abordar (tardiamente) o problema racial na sucessão de Bush sem dar a opinião de um respeitado jornalista americano para quem o problema é fictício.