
(Imagem: Tracy Le Blanc/Pexels)
Não é nenhuma novidade que o Brasil é um heavy user de redes sociais. Um recente briefing da iniciativa Momentum – Journalism and Tech Task Force compilou dados que comprovam que o país é um dos que possuem maior número de usuários ativos e tempo médio de uso das plataformas.
Dados inéditos da pesquisa que o Aláfia Lab irá lançar no próximo mês, Desigualdades Informativas – edição 2024, também mostram a centralidade das redes sociais na comunicação dos brasileiros. Dos cinco canais mais populares pelos quais as pessoas se informam, apenas um deles – a TV – pode ser considerado “analógica”. Todos os outros se encontram no ambiente digital.
Dentre estes, os dados sobre os usos dos chamados serviços de mensageria nos chamam a atenção: 21% da população brasileira afirma se informar por esses aplicativos e, desses, 90% se informam pelo WhatsApp e 32% pelo Telegram. Determinados aplicativos – como o WhatsApp – ocupam um lugar central na dinâmica comunicacional por características específicas, como a prática de zero rating no país, e chega a estar presente nos celulares de 98% dos brasileiros, de acordo com o Panorama Mobile Time/Opinion Box Mensageria.
Entender o que circula nesses espaços é, portanto, fundamental para compreender os fluxos de informação no país. Diante desse contexto e da proliferação de desinformação nesses espaços – seja pelo grau de confiança, seja pela arquitetura das plataformas – conduzimos uma pesquisa sobre a disseminação de informações falsas em aplicativos de mensagens durante a campanha para as eleições municipais brasileiras de 2024.
Focamos o nosso olhar para o WhatsApp e o Telegram, tanto pela popularidade como pelas diferentes características que os aplicativos possuem, mapeando a circulação de links de sites hiperpartidários em grupos abertos de extrema direita. Embora tenhamos realizado a pesquisa durante o período de campanha eleitoral das eleições municipais, o tema que teve maior predominância nos aplicativos foi a política nacional. Esse resultado indica que o cenário político nacional exerce influência mesmo em eleições mais localizadas, que, em tese, poderiam priorizar debates regionais.
Para realizar esta pesquisa, utilizamos como base 20 grupos políticos no WhatsApp e 22 grupos no Telegram, selecionados para monitoramento regular durante o período oficial de campanha eleitoral, de 16 de agosto e 29 de outubro de 2024. Todos os grupos analisados são públicos e abertos e os dados foram anonimizados para garantir a impossibilidade de identificar os participantes individualmente.
Durante o período de monitoramento, foram extraídos 38.095 links do WhatsApp, dos quais 22.531 foram classificados e se referem a URLs que, embora compartilhadas diversas vezes em diferentes mensagens ou grupos, possuem o mesmo endereço de origem, sendo contabilizadas apenas uma vez na análise. No caso do Telegram, foram coletados 40.462 links, dos quais 10.285 foram identificados como links únicos.
A análise considerou exclusivamente links provenientes de mídias hiperpartidárias, caracterizadas como veículos de comunicação que apresentam forte viés político, direcionando sua produção de conteúdo para reforçar narrativas favoráveis a um espectro político.
Em um momento de claros retrocessos na própria identificação da desinformação como um problema social e político, esta pesquisa demonstra que a desinformação não só se tornou parte inerente das práticas comunicacionais, como consegue dominar as conversas políticas sobre determinados temas, criando visões completamente distorcidas.
Sobre a presença de desinformação em grupos de mensageria sobre eleições, pudemos verificar que 17% dos links compartilhados nos grupos de WhatsApp de extrema direita analisados foram classificados como contendo desinformação. Já no Telegram, conteúdos classificados com desinformativos representaram 7%.
Outro achado que nos chamou particularmente a atenção foi o fato de que 40% dos links sobre o STF compartilhados nos grupos de extrema direita no WhatsApp apresentam desinformação. Essa é a taxa mais alta de desinformação que encontramos, seguida por links sobre economia, com 28% de desinformação, e aqueles sobre política internacional e nacional, ambos com 23%.
Quando nos debruçamos sobre o conteúdo, verificamos que em diversos links analisados, a desinformação estava concentrada nos títulos, enquanto o texto da matéria apresentava informações. Isso mostra claramente as estratégias para chamar a atenção e manipular utilizadas na disseminação da desinformação.
Vale ainda ressaltar o grande número de textos opinativos apresentados como se fossem matérias factuais, sem qualquer sinalização clara sobre o gênero jornalístico, o que dificulta a distinção entre opinião e reportagem para os leitores. Esses achados nos mostram também as estratégias de desinformação. Em alguns segmentos, a confusão sobre o que é real ou não se dá menos por uma afirmação taxativa e mais por uma linha tênue entre o campo da informação e da opinião.
Como mencionado anteriormente, a desconexão entre títulos e textos também se coloca como uma estratégia importante – especialmente se consideramos que muitos dos links circularam no WhatsApp, espaço privilegiado pelo zero rating, um mecanismo que muitas vezes impossibilita o acesso ao conteúdo integral. Assim, a manchete por si e sem contexto configura como uma peça de desinformação.
Para embasarmos essas noções, utilizamos nesta pesquisa o conceito de desordem informacional inaugurado pela pesquisadora Claire Wardle. A partir deste arcabouço, consideramos para este estudo os critérios de informação falsa, exagero e fora de contexto. Assim, categorizamos como desinformação as informações que são 100% falsas, mas também compreendemos os fatos tirados de contexto e que desinformam a partir disso, além de conteúdos que trazem dados ou informações superdimensionadas.
Sobre conversas em grupos de mensageria sobre eleições
A pesquisa também se debruçou sobre os principais temas que circulam nas duas redes de mensageria. Entre os tópicos mais comentados estão os relacionados à política nacional e o Supremo Tribunal Federal. As eleições municipais também figuram entre os mais citados, mas se colocam em terceiro plano tanto no WhatsApp como no Telegram. Esse achado reflete como o cenário nacional também têm influência durante pleitos mais territorializados, que poderiam se caracterizar como um momento para refletir discussões localizadas.
Outro achado destaca que os links sobre o STF se destacam nos grupos de extrema direita do Telegram, enquanto temas internacionais, especialmente relacionados a Israel, se destacam nos grupos de extrema direita no WhatsApp. As chamadas notícias factuais também se colocam como um aspecto relevante nesse ecossistema de comunicação, reforçando o papel significativo que os aplicativos de mensagens possuem nos hábitos de informação dos brasileiros.
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Lizete Nóbrega é Doutoranda em Ciências da Comunicação na USP e Coordenadora de Comunicação estratégica e Inovação do Aláfia Lab.
Maria Paula Almada é Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, Coordenadora do Grupo de Trabalho Governo e Parlamento Digital da COMPOLÍTICA, e Diretora Executiva do Aláfia Lab.
Rodrigo Carreiro é Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, Coordenador do Grupo de Trabalho Fenômenos e Práticas da Política Online da COMPOLÍTICA – Associação Brasileira de Pesquisadoes em Comunicação e Política, e Diretor Executivo do Aláfia Lab.