“Canal GOV, presidente, é um canal do governo de prestação de serviços, de informação sobre tudo aquilo que o governo faz, que os ministérios fazem. Também terá transmissão pelo Youtube. E as pessoas poderão assistir em qualquer lugar do Brasil, em TV aberta, em TV a cabo, na Sky. A partir de hoje volta a ter uma agência de notícias do governo e volta a ter um canal de informações do governo”.
Assim o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, define o novo canal do governo federal, lançado no último dia 25 de julho, que criou um meio próprio de divulgação das suas ações e de mediação sobre temas, eventos e políticas públicas implementadas.
O Canal GOV é a iniciativa que desenha a separação da programação e da produção de informações sobre as ações do governo das produções educativas da emissora pública. TV Brasil e Canal GOV são canais da estrutura da EBC que agora têm programações, equipes e finalidades distintas.
O Canal nasce multimídia, com endereços na internet e com programação na TV aberta. E acompanha uma tendência da comunicação institucional com canais próprios de comunicação, que é a base para a comunicação de qualquer instituição pública ou privada, pessoa pública, empresa, influencer e um de nós, que tem presença digital e gera conteúdo próprio para informar e engajar públicos de interesse e produzir diálogo.
Hoje a comunicação é reticular (em rede), o usuário é central no processo, a produção é multimídia e transmídia – pensada e produzida em vários meios, digitais, multiplataformas, para diferentes telas e com iniciativas off-line e presenciais, produz comunidades, diálogo e debate.
Sabemos por Henry Jenkins que a “cultura da convergência” encontra-se num estágio “onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis” (JENKINS, 2009).
O Canal GOV já se integra a esse novo ecossistema comunicativo, para usar uma expressão de Jesús Martin-Barbero ao analisar não apenas a presença da tecnologia na comunicação, mas também como novas linguagens e narrativas atravessam as nossas vidas atualmente. Ainda faz isso numa perspectiva de gerador de informações para um público que teria pouca ideia do que é feito pelo governo federal e no que se refere à implementação de políticas públicas.
Inicialmente trata-se de um posicionamento em ter um canal próprio de comunicação, com assinatura governamental, para produzir conteúdos oficiais que aproximem às pessoas de seus direitos, das ações do governo e de quem ocupa cargos e funções do primeiro escalão do governo federal. Mesmo num contexto convergente, começa com cara de radiodifusão.
Ao mesmo tempo já se lança em múltiplas plataformas. Na descrição das suas funções no site no canal, trata-se de uma “fonte de informações e conhecimento para ampliar o acesso às medidas implementadas e facilitar a vida dos brasileiros. Acesso direto às fontes oficiais, garantia de dinamismo e credibilidade à informação”.
A iniciativa posiciona e reforça também a própria marca do Governo Federal, que agora oferece uma fonte permanente e própria de informação, que vai da transmissão ao vivo de eventos sobre todos os temas do governo, incluindo a agenda do presidente.
Nesse canal também passam a ser publicadas e transmitidas produções próprias como o programa “Conversa com o Presidente”, produzido desde 13 de junho, e que tem a presença de Lula sendo entrevistado semanalmente pelo jornalista Marcos Uchôa. No próprio programa, que teve a sétima edição no mesmo dia em que o Canal GOV foi lançado, Lula divulga a iniciativa da estrutura oficial do governo. “Assista a TV GOV. Lá vai ter tudo que você quer de melhor, a verdade”.
Como fica evidente também no esforço de lançamento do canal, é uma iniciativa que se coloca oposta às fakenews, mais especificamente às narrativas criadas e propagadas para descredibilizar o governo.
O projeto investe em visibilizar as ações do governo e usar a agenda, as fontes diretas e as políticas públicas como norteadores do canal. Mesmo sendo uma parte da narrativa, faz isso reforçando que que vai divulgar “a verdade” sobre aquilo que é realizado pelo governo federal.
Uchôa também fala, no programa ‘Conversa com o Presidente’ sobre saber “de verdade” o que o governo faz e ainda reforça diretamente o combate às fakenews. “E fica também essa especulação, às vezes fakenews. Não, aqui não. No Canal GOV é a informação oficial. A pessoa vai saber de verdade o que o governo está fazendo para ela”.
Ambos utilizam expressões que são faladas pelas pessoas, tanto para o combate, como é o caso da fakenews, quanto na defesa de que o Canal GOV vai dizer “a verdade” sobre as ações do governo.
O Canal GOV faz um esforço de reforço de marca também e coloca em alerta toda a equipe que é citada na estratégia, incluindo as fontes de primeiro escalão e os demais produtores de políticas de governo. Os primeiros seis meses de governo em relação à comunicação foi pontuado por críticas, contradições e pouca estratégia, apesar de rapidamente ter havido um redesenho das logomarcas e a ativação das redes sociais da presidência aos ministérios e órgão governamentais, incluindo também produção para contas pessoais dos ocupantes dos cargos.
Ainda assim, houve pouca estratégia de comunicação que produzisse um discurso e iniciativas conjuntas e transversais, que atuassem de maneira coordenada nesse ambiente convergente e propagável, como cunhou Jenkins.
O Canal GOV não garante uma estratégia permanente para tratar de temas e ações, mas oferece um espaço mais multiplataforma para onde convergir ações, atividades, eventos e produtos. Ainda que sob o discurso ilusório da verdade e sem ousadia na produção do diálogo com os públicos, como um fluxo de ida e vinda, fundamentais ao novo ecossistema comunicativo, que é convergente, propagável, participativo e reticular.
Mas se aproxima de outras características dos produtos atuais reticulares como a transparência em posicionar os conteúdos com autoria clara, no caso oficial e governamental.
O governo de Barak Obama construiu nos seus dois governos, que foram de 2009 a 2017, instrumentos de comunicação que ajudaram a agendar discussões importantes, desde projetos do governo até a escolha de juízes da Suprema Corte. Antes da escolha de um juiz, as redes da presidência e do governo produziam informações sobre a possível indicação e buscavam diálogo com os cidadãos através de mídias distintas.
Da mesma forma, produzia material de comunicação a partir das cartas em papel que recebia (e respondia) de pessoas comuns que tinham um endereço para onde enviar suas solicitações e opiniões.
A produção do governo Obama em comunicação, e redes sociais, associando a sua agenda, as políticas públicas e outras ações de governo foram destaque na época. E contribuíram para a democratização da informação e do próprio governo. Mas davam um passo a mais no quesito diálogo com os públicos.
No Brasil ainda não há uma produção de comunicação oficial que articule de forma semelhante. O Canal GOV pode ser um início de estruturação dessa produção oficial do governo brasileiro. Ainda não dá sinais de uma estratégia estruturante de convergência, que inclui participação das pessoas em canais de diálogo e também produtores de conteúdo e informação, mas já posiciona seus próprios produtores a saberem que precisam comunicar o que fazem, além de fazer.
Sem entrar no debate sobre a estruturação de canais públicos e independentes de comunicação, que têm outra importância e função, os canais oficiais podem ter um papel importante no posicionamento dessa “marca”, na divulgação e debate sobre políticas públicas e contribuir para democratizar a construção das políticas e das ações de governo.
Mesmo que a motivação inicial seja a de lidar com “verdades”, divulgar aquilo que as pessoas não conhecem e buscar meios de contar o que é feito, da agenda aos serviços e direitos criados, são movimentos que, se seguirem critérios importantes ao campo jornalístico-midiático e ao novo ambiente de convergência na comunicação, podem produzir possibilidades de maior debate, participação, construção e transparência, onde o governo torna-se, no mínimo, mais uma fonte a ser consultada.
Dentro da comunicação convergente contemporânea é assim que as fontes são vistas. Ou as pessoas confiam no que recebem no WhatsApp encaminhado por um parente ou amigo ou buscam produções diretas das fontes e produzem suas avaliações.
O papel fundamental do jornalismo como mediador e produtor de uma leitura complexa e crítica da realidade conversamos numa próxima oportunidade. Por enquanto, vamos acompanhar os caminhos do Canal GOV e saber se virá uma estratégia multimídia, convergente, do discurso do governo e que produza diálogo mais adiante.
Reportagem publicada originalmente em objETHOS
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Vanessa Pedro é jornalista e pesquisadora associada do objETHOS