Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

É a informação, pessoal!!!!

Foto: dole777/Unsplash

Quando acontece uma discrepância aguda entre a realidade e a forma como as pessoas veem esta realidade, a causa mais provável do fenômeno está na informação. Nas últimas semanas, foram divulgadas três pesquisas de opinião mostrando uma queda aguda da popularidade do presidente Lula sem que tenha ocorrido qualquer alteração dramática na conduta do governo nos primeiros meses de 2024. Pelo contrário, quase todos os indicadores sociais e econômicos foram considerados positivos pela imprensa e pelo setor empresarial. 

A discrepância deflagrou uma furiosa polêmica sobre as causas do fenômeno centrada fundamentalmente em motivações políticas, quando na realidade a causa é outra. A informação é o processo pelo qual os atores de um espaço público desenvolvem percepções mútuas. Na era digital este processo passou a ser de mão dupla, ou seja, os governos condicionam as opiniões das pessoas e estas influem sobre as condutas dos tomadores de decisões através das redes sociais. 

O resultado das três pesquisas coincide na tendência geral, embora se diferenciem na intensidade da divergência de percepções. A constatação inevitável é que o governo Lula não está conseguindo informar a população sobre o real estado da situação no país, enquanto o público reage conforme uma estratégia de comunicação mais sintonizada com uma conjuntura momentânea.

Tudo indica que o problema do governo é a falta de intimidade com o novo papel que a informação passou a desempenhar na política. Até a chegada da internet, a informação era apenas o pano de fundo para as grandes manobras dos tomadores de decisões envolvidos numa luta política. Era basicamente uma ferramenta da luta pelo poder. Agora, na era digital, a informação passou a ser parte estrutural da política porque formata as narrativas que comandam as decisões das pessoas. Em síntese, está deixando de ser um acessório para se tornar uma parte integrante do poder político e da ciência de governar. 

O grande laboratório político

O uso analógico da informação pode ser exemplificado quando governantes decidem realizar uma obra pública a partir de seus interesses políticos e eleitorais, para só depois resolverem como irão divulgá-la para a população. Hoje, na era da internet, das redes sociais e da inteligência artificial, a estratégia de informação deveria ser produzida junto, ou até antes, da decisão sobre o projeto a ser executado. É que o tipo de narrativa associado a um projeto pode determinar seu fracasso mesmo antes dele sair do papel. 

O que o governo atual parece não ter se dado conta até agora é que a percepção das pessoas é hoje formada nas redes sociais por meio do compartilhamento de dados, versões e opiniões fornecidos pela imprensa, formadores de opiniões e pelo próprio governo. É um comportamento chamado relacional porque, nas redes, cada pessoa influi na percepção da outra através do compartilhamento, num processo que geralmente toma rumos imprevisíveis. O segredo está em alimentar o compartilhamento com dados, fatos e eventos mais suscetíveis de deflagrar a troca de percepções entre usuários de redes sociais.

A oposição ao governo Lula tem usado eficientemente este processo de formação de percepções, através das redes sociais, ao mobilizar seus apoiadores em torno de sensações e emoções incrustradas no cotidiano popular, como por exemplo a insegurança pública, o moralismo familiar e a religiosidade.  Graças a este recurso, a oposição consegue manter uma presença mais constante nas principais plataformas digitais e com isto influir no debate público. 

‘Mergulho’ nas redes sociais

Como a informação é um processo de mão dupla, o que se observa na análise do resultado das pesquisas é a existência de fortes ruídos na relação entre governo e opinião pública.  Para identificar os motivos desta discrepância, é necessário mergulhar no universo das redes sociais para identificar como e porque as pessoas desenvolveram uma percepção negativa do governo. 

A queda da popularidade do governo medida pelas pesquisas da Genial/Quaest, IPEC e Atlas/Intel indicou a existência de dois tipos de comunicação pública no poder executivo. Enquanto a empatia popular do presidente, com sua maneira informal, intuitiva e didática de explicar coisas complicadas para audiências de média e baixa renda gera uma imagem positiva, o formalismo e impessoalidade das mensagens da Secom (Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto) continuam apostando no desgastado recurso de publicar estatísticas e exibir realizações.

A estratégia de comunicação do presidente funciona porque alimenta as redes sociais com compartilhamentos gerando tanto críticas ferozes como elogios apaixonados. Isto lhe dá uma grande visibilidade, mas a duração do impacto das falas de Lula nas redes é atropelada pela frenética mudança dos temas em evidência na agenda de discussões. Em tese, caberia à Secom dar permanência à presença do governo nos debates públicos, mas isto não acontece porque a publicidade oficial insiste num modelo de mensagens mais adequado a jornais impressos e telejornais do que para alimentar compartilhamento de informações em redes como Facebook, Instagram, TikTok, Whatsapp e X.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.