Existem atualmente algumas organizações de alcance mundial que se dedicam ao estudo do gerenciamento de projetos, oferecendo um conjunto de boas práticas que permitiram ao gestor de projetos a condução a bom termo dos projetos sob sua responsabilidade. Uma delas é o Project Management Institute (PMI®), instituto norte americano fundado em 1969 e que se encontra presente em aproximadamente 180 países, inclusive no Brasil, onde possui 16 representações espalhadas pelas principais capitais brasileiras, o que o tornou uma referência internacional no assunto.
Outra organização relevante a nível mundial é a International Project Management Association (IPMA®), associação austríaca fundada em 1965 e com representação também no Brasil, que oferece, por sua vez, um conjunto de competências que um gestor de projetos deveria observar para conduzir satisfatoriamente seus projetos. Além da importância que tais organizações teriam no contexto do gerenciamento de projetos (levando-as a ser uma referência quase obrigatória, influenciando assim, sobretudo, os profissionais que a ele se dedicam), dentre outras semelhanças entre elas haveria a responsabilidade pelo gerenciamento das comunicações nos projetos, que caberia a seus gestores e que seria realizado segundo o que foi determinado por um plano de gerenciamento das comunicações.
Portanto, uma vez que, como descrito em seu portal eletrônico, o Comitê Rio 2016 “planeja e organiza os Jogos Olímpicos e Paralímpicos”, e ainda que não siga (o que seria duvidoso) algo igual ou pelo menos semelhante aos conteúdos de gerenciamento de projetos apresentados por estas organizações, o senso comum no assunto recomendaria que fosse de sua responsabilidade o gerenciamento das comunicações do projeto dos Jogos Olímpicos, por ser seu gestor. Isto é assim concebido como forma de se evitar os problemas típicos decorrentes da comunicação que não é realizada de forma efetiva, trazendo uma informação incompleta ou que não corresponda de fato à realidade que se deveria retratar. Em projetos desta envergadura, torna-se ainda mais crítico o monitoramento e controle sobre o que, como, onde, para quem e quando comunicar, resguardando assim a própria execução do projeto.
Por outro lado, qualquer projeto é concebido, elaborado, planejado e executado segundo os interesses, primeiramente, de seus patrocinadores, que neste projeto seriam representados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Autoridade Pública Olímpica (APO), que é “um consórcio interfederativo formado pelo governo federal, estado e prefeitura do Rio de Janeiro” e cujo objetivo é “coordenar as ações governamentais para o planejamento e a entrega das obras e dos serviços necessários à realização dos Jogos”, como descrito também em seu portal eletrônico. Por fim, diante da natureza do evento, dos objetivos que se propõe atingir, de sua importância para o país e, principalmente, da possível participação de recursos materiais públicos, seria correto, portanto, incluir também entre seus patrocinadores a população brasileira, que deveria então ser considerada como parte interessada para fins de gerenciamento das comunicações referentes ao projeto e no sucesso dele como um todo.
Responsabilidade dividida traz informação deficiente
A definição da responsabilidade sobre o gerenciamento das comunicações parece não ter sido algo bem esclarecido entre o Comitê Rio 2016 e a APO, como sugerem recentes informações veiculadas nos respectivos portais eletrônicos e na imprensa em geral. Para exemplificar, pode-se utilizar o que foi dito a respeito das medidas preventivas contra a ameaça representada pela epidemia representada pelo Zika vírus. Antes da divulgação de tais medidas em 02/02/16 no portal eletrônico do Comitê Rio 2016, o governo federal, o governo e a prefeitura do Rio de Janeiro já haviam se manifestado publicamente na imprensa, minimizando o risco de contágio entre atletas e turistas presentes aos Jogos Olímpicos diante da suposta eficácia do que está sendo e será realizado neste sentido, além de questões relacionadas ao clima no período que favoreceriam a não proliferação do mosquito transmissor.
Apesar de tais declarações terem sido repercutidas à exaustão nos principais telejornais do país (e talvez concedidas no calor de uma entrevista), até o presente momento nada disto foi publicado no portal eletrônico da APO, o que caracterizaria uma comunicação, no mínimo, confusa, sobretudo para quem confronta ambos os portais eletrônicos. Ao contrário da equipe do projeto e de seus principais patrocinadores (que teriam acesso a relatórios periódicos sobre o andamento do projeto), o único meio oficial para acesso universal de tais informações seriam os portais eletrônicos, razão pela qual se faz necessário disponibilizar estas e outras informações correlatas de forma clara, objetiva e acessível.
Afora os naturais questionamentos a respeito diante da magnitude potencial do problema, das condições propícias (urbanização deficiente) à proliferação do mosquito transmissor do vírus na região (e cercanias) onde serão realizadas as competições e da capacidade de se executar o que se promete, muito embora seja o papel de seu principal patrocinador garantir as condições básicas de infraestrutura e serviços para a consecução satisfatória do evento, realizar uma comunicação paralela, quiçá incompleta, traria, em geral, mais confusão que informação, além de relegar a importância do Comitê Rio 2016 a um segundo plano por suscitar dúvidas a respeito de sua capacidade de gerenciar a comunicação do projeto sob sua responsabilidade. A intromissão neste assunto por parte da APO revelaria talvez um senso de urgência em tranquilizar a todos, algo que é bem-vindo até o momento em que não extrapola suas responsabilidades e atribuições; uma coisa é garantir todo o suporte técnico para a realização das comunicações em condições satisfatórias, outra é realizar uma comunicação paralela.
Outro exemplo de gerenciamento deficiente das comunicações do projeto pode ser encontrado na disponibilização das informações propriamente ditas nos respectivos portais eletrônicos. De um modo geral, o andamento do projeto pode ser consultado em ambos os portais, mas isto parece ser feito de forma mais aprofundada no portal da APO, onde foram disponibilizadas informações sobre auditorias e prestações de contas, convênios, despesas, licitações e contratos, gestão fiscal e matriz de responsabilidades, entre outras; no portal do Comitê Rio 2016 estão informações sobre responsabilidades, orçamento e alguns documentos relacionados contábeis e regulatórios. Difícil, portanto, acreditar que com tal dispersão de informações haja um gerenciamento centralizado das comunicações, com os consequentes prejuízos para a qualidade do que se informa. Por exemplo, é de se supor que um evento assim seja realizado também com recursos públicos, então, o que dizer sobre a informação do comitê que diz que 40% de suas receitas seriam oriundas de “patrocinadores locais”? Não há menção a quem de fato seriam estes patrocinadores, se de natureza pública e/ou privada; no portal da APO sequer há menção explícita sobre as receitas, apenas sobre as despesas.
A natureza das informações apresentadas no portal eletrônico do Comitê Rio 2016 parece valorizar mais o lado meramente esportivo e, sobretudo, mercadológico do evento, em detrimento das informações sobre o projeto em si. Há uma profusão de notícias sobre os atletas olímpicos, a estrutura à disposição deles e dos visitantes, as competições e suas estatísticas, a contagem regressiva para o início e os diversos produtos com a marca à venda, tudo apresentado com uma diagramação impecável, colorida e atraente; a impressão que se tem quando se visita o portal é de uma festa esportiva apenas, explicitamente um local de alegria, entretenimento e euforia, mas também um local onde tudo parece ter sido disponibilizado como produto para o consumo sem maiores questionamentos, segundo o “planejado”, o que afastaria a natureza do evento ser, majoritariamente, um projeto. Diante, portanto, de suas naturezas diversas, parece haver um desequilíbrio entre elas no que tange às necessidades de informação de qualidade por parte de todo aquele interessado no projeto.
Um gestor de projetos tem a responsabilidade funcional e ética de disponibilizar, de maneira clara, objetiva e confiável, quaisquer informações a respeito do projeto que gerencia, independentemente de qualquer coisa, sob a pena de ter sua gestão questionada. Ao não exercer a função de principal difusor de informações dos Jogos Olímpicos sob sua responsabilidade, partilhando direta ou indiretamente tal responsabilidade com a Autoridade Pública Olímpica, o Comitê Rio 2016 abdica implicitamente desta função que lhe é atribuída pelas melhores práticas em gerenciamento de projetos, prejudicando a disponibilização de informações de qualidade sobre o andamento deste projeto a todos os interessados em sua realização.
Por outro lado, uma vez serem tais práticas de domínio público e reconhecidamente aplicáveis a quaisquer projetos, diante do nível elevado de competência que se acredita encontrar em sua equipe, tal atitude lançaria sombras sob a lisura do gerenciamento do projeto como um todo e dos reais interesses de quem deveria zelar por isto.
Referências
Portal eletrônico da Autoridade Pública Olímpica. Disponível em: http://www.apo.gov.br/index.php/home. Acesso em: 03 de fevereiro de 2016.
Portal eletrônico do Comitê Rio 2016. Disponível em: http://www.rio2016.com. Acesso em: 03 de fevereiro de 2016.
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Mauricio Augusto Cabral Ramos Junior é administrador de empresas e mestre em Administração