Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A Guerra cognitiva ou a batalha pelo controle do nosso cérebro

(Foto: Gerd Altmann por Pixabay)

A chamada guerra cognitiva (cognitive warfare, no jargão inglês) é a estratégia política onde o presidente Lula tem mais chances de confrontar seus adversários de igual para igual. O presidente não tem o controle total da economia, como mostra a questão da taxa de juros; não conta com o apoio integral das Forças Armadas e nem tem maioria no Congresso Nacional. Assim, só lhe resta a arena da opinião pública como espaço político para impulsionar seus projetos de governo.

A guerra cognitiva (GC) é uma ferramenta política cujo principal objetivo é alterar a forma pela qual as pessoas assimilam informações. Trata-se de uma arma comunicacional que não se limita apenas à produção em massa de dados, fatos e eventos para confundir adversários, mas vai além, ao procurar gerar e alimentar desconfianças ou resistências sobre todas as informações que vão contra os seus objetivos.
Estamos diante de um tipo novo de confrontação política, viabilizada pela tecnologia digital e pelo fenômeno da concentração urbana. A Guerra Cognitiva visa destruir o inimigo por dentro, ou seja, fazendo com que ele duvide das suas próprias informações e de seus líderes. A avalanche informativa na internet faz com que as pessoas não tenham mais tempo para refletir sobre novos fatos e dados, passando a formar opiniões a partir do acúmulo de notícias de impacto. Por seu lado, a concentração demográfica urbana amplia o efeito da viralização interpessoal de comentários e notícias falsas.

A veracidade, exatidão, pertinência e relevância das informações produzidas pelos protagonistas da guerra cognitiva ou guerra do conhecimento, ficam em segundo plano em relação ao objetivo principal que é ocupar o maior espaço possível na agenda de debates tanto na imprensa como em espaços públicos como parlamentos e redes sociais. A preocupação principal não é ter ou não razão, mas impedir que a parte contrária ocupe espaços na arena de debates e seja encurralada em nichos informativos.

O caso Moro/PCC

Um exemplo de guerra cognitiva é o caso da suposta articulação do Primeiro Comando da Capital (PCC) para sequestrar líderes políticos de oposição e membros do poder judiciário visando obter regalias para detidos em penitenciárias federais. As evidências policiais e legais são inconclusivas, mas foram suficientes para que um segmento político de direita e extrema direita brasileira inundasse os meios de comunicação e as redes sociais com dados, fatos e eventos insinuando uma ligação entre o governo do presidente Lula e o crime organizado.

A estratégia fica mais clara quando surgem nas redes sociais e na imprensa declarações sobre a criação de um narco-estado bem como menções a um possível impeachment do presidente Lula. São questões cuja viabilidade política é contestável, mas que acabam alimentando um debate apaixonado, apesar da sua fragilidade jurídica. Enquanto os seguidores do ex-ministro Sergio Moro tratam de encher espaços informativos com o maior número possível de novos temas, sem muita preocupação com a realidade dos fatos e a fidelidade aos textos jurídicos, os adeptos do governo Lula procuram contra-atacar baseados na lógica, no ordenamento legal e nas normas institucionais.

Na era analógica, a comunicação tradicional não é suficiente para neutralizar a divulgação massiva de notícias sensacionalistas. Isto cria a necessidade de os movimentos democráticos adotarem uma nova estratégia de comunicação que vise o maior alcance e impacto possíveis, sem usar a desinformação e as fake news como ferramentas.

A viralização da incerteza

A belicização (dar características bélicas a um processo ou fenômeno) da comunicação via internet por meio da guerra cognitiva está semeando uma sensação de insegurança generalizada na internet. O governo norte-americano, por exemplo, cogita impedir que a rede social Tik Tok opere livremente dentro do país por temor que ela esteja recolhendo informações sobre os seus 120 milhões de usuários nos Estados Unidos para entregá-las ao governo da China, porque o dono da empresa é um milionário chinês.

A guerra cognitiva é mais ampla do que a estratégia de conquista de “corações e mentes” – a principal ferramenta usada, até agora, por países e forças militares envolvidas em algum tipo de confronto bélico. Ao viralizar a insegurança, a nova estratégia nos transforma em participantes de um confronto bélico, à medida que nossas opiniões passam a ser um componente importante no desfecho final. Isto porque as guerras são cada vez menos sangrentas e caras do ponto de vista financeiro, para serem travadas no complexo front dos posicionamentos individuais. O fato de não serem tão sangrentas como guerras anteriores, não diminui em nada a sua capacidade de interferir de forma violenta no ambiente social.

A esta altura, você leitor deve estar se perguntando: como então enfrentar a guerra cognitiva? Infelizmente, não há uma resposta convencional, porque tudo acontece no espaço imaterial das consciências, um território ainda muito pouco explorado. A maioria dos que estudam o fenômeno coincidem que é quase impossível eliminá-lo completamente por ocorrer basicamente no terreno mental. Mas já há algumas hipóteses sobre como reduzir os seus efeitos:

a) Inserir a Guerra Cognitiva na lista dos temas discutidos pela opinião pública para que as pessoas tomem consciência da sua existência e dos seus perigos;

b) Relacionar a Guerra Cognitiva aos processos de desinformação para que as pessoas passem a questionar informações e notícias vinculadas a temas sensíveis ou que afetem diretamente a sua vida social, econômica e política;

c) Expandir o letramento digital, ou seja, um processo educativo sobre o que a internet e a digitalização representam no mundo de hoje.

Parece muito pouco diante da gravidade e complexidade do problema, mas pelo menos é um começo.

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Carlos Castilho é é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.