O dicionário Oxford Languages define pseudociência da seguinte forma: “conjunto de teorias, métodos e afirmações com aparência científica, mas que partem de premissas falsas e/ou que não usam métodos rigorosos de pesquisa” (OXFORD LANGUAGES, 2022). Ou seja, tudo que não tem comprovação ou embasamento suficiente para validar uma descoberta, um estudo ou uma informação. Resumindo, o contrário de ciência. Nesta seara estão os boatos, as pesquisas realizadas sem passar por critérios científicos necessários e as informações divulgadas sem apuração. A pseudociência pode ser considerada uma fonte praticamente inesgotável de disseminação de notícias e dados falsos, hoje mais popularmente conhecidos como fake news. Sem método, análise e verificação as informações falsas nascem a partir de um conjunto de crenças e afirmações sobre o mundo ou a realidade de forma equivocada sem nenhuma base científica e ganham espaço por meio de porta vozes de diversas áreas. Pós-verdades produzidas sob medida com o intuito de moldar a opinião pública, apelando para emoções e crenças populares e desacreditando os estudos e pesquisas científicas sérias e informações checadas e comprovadas.
Contudo, não podemos esquecer que a ciência é definida como um saber metódico. É o ápice do processo do conhecimento e a organização sistêmica da realidade. Nesse sentido, o saber é pré-condição para o conhecimento científico. E apenas a ciência, ressaltando suas conquistas e seus limites por meio da comunicação científica, é capaz de desmistificar os equívocos e mentiras disseminadas por meio de notícias falsas. Além disso, todo conhecimento embasado em informações comprovadas cientificamente pode e deve ser utilizado para libertar a mente dos reféns de gurus da autoajuda e filósofos das redes sociais online, a principal fonte de informações de grande parte da população atualmente.
É inegável que com o surgimento da comunicação por meio da rede mundial de computadores, que ampliou o poder do termo “mídias”, as redes sociais online se mostraram um excelente espaço para as pessoas divulgarem e exporem suas ideias e pensamentos em grupos ou comunidades virtuais de maior afinidade por meio dos canais disponíveis nos ambientes sociais online. Mas também pode ser uma armadilha quando falamos sobre disseminação de conteúdos duvidosos.
Esse modelo é apontado pela pesquisadora Pollyana Ferrari (2010) que afirma que a mídia social só existe graças à troca coletiva de informação por meio da rede e das mídias sociais, projetadas para permitir a interação social a partir do compartilhamento e da criação colaborativa de informação nos mais diversos formatos.
Seguindo essa premissa comunicacional, o conteúdo, palavra amplamente pronunciada no ambiente digital, torna-se a isca para fisgar os usuários que acessam as redes sociais online em busca de todo forma de material informativo, opinativo e de entretenimento.
Isso acontece principalmente porque as mídias tradicionais estão perdendo espaço gradativamente e já não prendem a atenção do público. Tomamos como exemplo os jornais impressos, cada vez mais escassos e a audiência dos canais abertos de televisão, que diminui ano após ano. Como apontam os dados consolidados pelo Instituto Verificador de Comunicação (IVC) e divulgados pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), nos anos de 2020 e 2021 o número de exemplares dos principais jornais impressos do país sofreu uma redução de 13,6%. Essa crise não é um problema apenas no Brasil, de acordo com o estudo The Expanding News Desert, da Universidade da Carolina do Norte, entre 2014 e 2018 foram encerrados 1,8 mil jornais impressos nos Estados Unidos. Um estudo complementar mais recente mostra que em 2020 a circulação de jornais impressos sofreu uma redução de 5 milhões de exemplares no território americano.
Uma exceção seriam as mídias sonoras como o podcast e o grande consumo de conteúdos por meio de aplicativos de streaming de música e vídeo. Nesse sentido, trazer conteúdos informativos para uma plataforma segmentada e com novas narrativas poderia auxiliar na difusão da informação, engajamento do público e no combate às noticiais falsas. A produção e consumo de conteúdo sob demanda também é uma tendência como mostra a pesquisa Video Viewers 2019, realizada pelo Google, que revelou que o acesso de vídeos na Internet cresceu 165% no Brasil nos últimos cinco anos, enquanto o consumo de programação de TV aumentou apenas 25% no mesmo período. Participaram do levantamento mais de 2 mil pessoas. Entre elas, 95% assistem a vídeos online e apontam o YouTube como seu espaço preferido. 9% dos entrevistados já não acompanham a programação linear da TV. Isso tudo está nos levando a uma nova era do streaming nos aparelhos de TV conectados, e esse uso não se limita apenas aos vídeos curtos. O tempo de exibição mostra que as pessoas estão se ligando ao YouTube da mesma forma que fariam com a TV tradicional. Segundo o estudo, 80% dos espectadores online estão em busca de conteúdos que a televisão não oferece.
Vale destacar que assuntos sobre ciência e tecnologia ganham cada vez mais espaço nos meios de comunicação devido a crescente aplicação de inovações tecnológicas nos processos de produção e trabalho, oferecendo recursos que melhoram a qualidade de vida, além do tradicional conflito entre a crença popular e a ciência. Para que a ciência possa desempenhar seu papel com eficácia, é primordial manter a sociedade informada sobre os avanços técnico-científicos, promovendo o entendimento das tecnologias mais recentes. Além disso, é essencial fornecer modelos de pensamento que proporcionem reflexões sobre temas como a vida, o universo e o futuro.
Uma vez que a sociedade é impactada pelas ciências, sejam elas nas áreas de humanas, exatas, aplicadas e sociais, o conhecimento científico precisa caminhar ao nosso lado, colaborando para minimizar os impactos das informações falsas. A ciência desperta um sentimento sublime de admiração, mas a pseudociência também produz esse mesmo efeito. As divulgações científicas escassas abandonam nichos que a pseudociência preenche com rapidez por meio de conteúdos duvidosos. Por isso, é essencial a manutenção de uma rede integrada de atores empenhada no combate de dados falsos e na divulgação de informações respaldadas em conhecimento científico.
Esse impacto foi sentido com mais força durante a pandemia e uma enxurrada de dados e pesquisas falsas sobre a COVID-19. Ao mesmo tempo, essas notícias falsas eram refutadas com informações verdadeiras baseadas em pesquisas comprovadas. Mais uma vez, não podemos esquecer que a ciência é o ápice do processo do conhecimento, uma organização metódica da realidade. E o saber é pré-condição para o conhecimento científico.
Mas apesar da grande oferta de informação disponível atualmente, seja ela online ou analógica, e da possibilidade de arquivá-la, isso não significa ou garante que grandes volumes de informação tragam conhecimento. É necessário interpretar, entender e compreender informação para adquirir conhecimento. Nesse sentido, é inútil possuir acesso a milhares de livros, dados armazenados na nuvem, números e partituras, por exemplo, se não houver interpretação e posterior compreensão da informação, não haverá o conhecimento necessário para utilizá-la.
Para Boaventura de Sousa Santos (2010), o conhecimento é construído, bloco por bloco de informação formando espaços por onde os conhecimentos se encontram, constituindo novas galerias informacionais e gerando novos conhecimentos. Essa concepção mostra como o conhecimento deve ser plural e coletivo. Uma vez que o pensamento unilateral inviabiliza o pensamento de culturas diferentes, que originam outras formas de conhecimento.
A partir desse entendimento, um dos desafios epistemológicos é promover o diálogo comunicacional entra as áreas do conhecimento, promovendo um saber transversal e interdisciplinar. Compreender a epistemologia como o estudo dos modos de produção do conhecimento dentro de uma determinada área é o primeiro passo para o entendimento do pensamento epistemológico. E consequentemente para a difusão da produção científica que encontra nas revistas científicas um meio oficial para divulgação e compartilhamento de resultados de pesquisas. Essas publicações são fontes qualificadas de informação sobre diversos temas, descobertas e avanços da ciência.
Segundo dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e inovações (MCTI), apesar de todos os cortes orçamentários dos últimos anos, o Brasil responde por 3% de toda produção científica mundial. O relatório foi elaborado pelo CGEE entre os anos de 2015 a 2020. Nesse período, o país ocupava a 13ª posição no ranking dos maiores produtores de conhecimento científico no mundo, com 372 mil trabalhos publicados internacionalmente.
A USP (Universidade de São Paulo) está entre as 12 universidades que mais produz pesquisa científica no mundo, segundo o ranking elaborado pela Universidade de Leiden, na Holanda. A classificação que coloca a USP em 12º lugar foi divulgada em junho de 2022 e avalia a pesquisa acadêmica produzida pelas instituições de ensino superior levando em consideração as produções publicadas na base de dados Web of Science.
Os dados foram divulgados recentemente pelo Jornal da USP e mesmo caindo três posições no ranking, desde o último levantamento, a universidade ainda continua sendo a única representante ibero-americana entre as 50 melhores do mundo.
Quando falamos sobre divulgação científica, um estudo publicado na revista PlosONE destaca as instituições de ensino superior brasileiras como as que mais promovem ações de comunicação científica, seja em mídias tradicionais como também nas redes sociais online. Segundo a pesquisa, as acões de divulgação científica das universidades e centros de pesquisa brasileiros estão acima da média global e empatam com países europeus.
Mas o que explica toda essa produção de conhecimento ser reconhecida e estudada no exterior e aqui, no Brasil, a população não acessar essas bases de informação? Nosso país tem uma universidade entre as 12 maiores produtoras de conhecimento no mundo e respondermos por 3% de toda produção científica mundial.
O estudo da PlosONE traz um dado interessante que pode ajudar nessa resposta. De acordo com a revista, a maior parte da população brasileira, interessada nesse assunto, ainda procura por informações sobre ciência nos meios tradicionais de comunicação. Ou seja, em reportagens e matérias publicadas pelos jornais impressos, programas de televisão e rádio. A grande quantidade de notícias falsas compartilhadas nas redes sociais online, pode ser um dos motivos pela baixa adesão do público quando tratamos da divulgação científica, realizada pelas universidades em seus canais oficiais nas mídias sociais online.
Outra hipótese pode ser a linguagem utilizada pelos pesquisadores, muitas vezes técnica e de difícil compreensão. Isso também pode ser um entrave para a divulgação das pesquisas científicas para o público geral. Uma maneira de resolver esse problema, seria investir na comunicação científica especializada e deixar os textos acadêmicos mais palatáveis sem perder a essência da pesquisa divulgada.
Além disso, precisamos romper as bolhas acadêmicas. Muitas vezes, as pesquisas ficam restritas aos laboratórios, centros de estudos e grupos de pesquisa dentro das universidades. E o resultado de todo esse trabalho, raramente é visto pela população. Talvez essa seja uma falha comunicacional ou a falta dela. As universidades produzem pesquisa científica e conhecimento de ponta e são reconhecidas internacionalmente por isso, mas divulgam pouco esse feito. Por motivos como esse que a comunicação científica é primordial para que as descobertas da ciência nacional ultrapassem os muros das universidades e sejam conhecidas e compreendidas pela população. Esse é um grande desafio comunicacional.
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Eduardo Fernando Uliana Barboza é Jornalista com especialização em Design Instrucional., Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e Doutorando em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP).