Na terça-feira (15/03), eu estava completando o tanque de gasolina em um posto e ouvindo no rádio uma colega, comentarista de economia, falando sobre a paulada que foi o aumento da gasolina, que elevou o preço do litro na bomba de R$ 6,19 para R$ 7,00, em média, em Porto Alegre (RS). Ela enfileirou uma série de fatores para explicar o aumento dado pela Petrobras, destacando dois: a guerra entre Ucrânia e Rússia e a desvalorização do real perante o dólar americano. Sempre que ouço os colegas falarem sobre câmbio lembro da história da empregada doméstica. No começo de 2020, em fevereiro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, 72 anos, durante uma entrevista, defendeu a desvalorização do real perante o dólar alegando que seria bom para a economia porque os produtos brasileiros se tornariam mais competitivos nos mercados internacionais. Na sua argumentação, disse que o dólar baixo, em torno de R$ 1,80, facilitava até a ida de empregadas domésticas para a Disneyland. Um absurdo, na opinião dele.
Na ocasião, nós jornalistas ainda estávamos tentando entender como funcionava o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), uma pessoa destemperada, que falava absurdos, chutava as canelas dos jornalistas e defendia a reinstalação, no Brasil, do governo militar que governou o país de 1964 a 1985. Lembro que Guedes disse então que o câmbio ideal seria com o dólar a R$ 5,00. No Rio Grande do Sul, sempre que acontece uma grande desvalorização da moeda nacional perante a americana os negócios “bombam”, porque o forte da economia é a exportação de produtos metalmecânicos (ônibus e carrocerias), sapatos, soja e carnes de suínos, frangos e bovinos. A desvalorização do real torna o preço desses produtos competitivos nos mercados internacionais. Claro, é uma ilusão, porque os insumos usados para manufaturá-los vêm do exterior e, consequentemente, com o dólar mais caro o custo de produção sobe. O real se valoriza perante o dólar quando o governo faz a opção por privilegiar o mercado interno e o país navega em uma tranquilidade política, o que atrai investimentos em produção.
Não sou repórter de economia. Especializei-me em conflitos agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras. Mas sou velho e já vi muita coisa no mundo. Algumas que nem Deus acreditaria que existem, como se diz no jargão dos repórteres estradeiros para descrever fatos estranhos. Logo que coloquei o olho em Guedes senti que vinha chumbo grosso. Ao contrário dos outros ministros que ocuparam o cargo antes dele, Guedes é um especulador do mercado de capitais. Descrito no governo como “o homem que vende geladeira para pinguim”, uma maneira de chamá-lo de um vendedor de mão cheia, como se diz no interior do Brasil. Lembro-me que, logo no início do governo, Guedes não escondia a sua admiração pelo general Augusto Pinochet, ditador que governou o Chile de 1972 a 1990. Pinochet e um grupo de 25 economistas, os Chicagos Boys, implantaram a ferro e fogo um sistema liberal na economia do país que se transformou em uma máquina de fazer pobres – há matérias na internet. Pinochet, falecido em 2006, liderou um dos regimes mais sanguinários da América do Sul. No Brasil, Guedes não verbalizou. Mas nunca se posicionou contra as tentativas de golpe tentadas por Bolsonaro, como a que aconteceu no dia da Independência, no ano passado – há matéria na internet.
Na ocasião que o Guedes falou sobre a história da Disneyland o real já vinha se desvalorizando perante o dólar por vários motivos. Um deles é que o atual presidente herdou do seu antecessor, Michel Temer (MDB-SP), uma economia abalada pela greve dos caminhoneiros de 2028, que durou 10 dias entre maio e junho e causou ao país um prejuízo de R$ 18,5 bilhões. Na época, Bolsonaro estava em campanha e foi um dos articuladores da greve. O gatilho do movimento foi a política de reajuste dos preços dos combustíveis pela Petrobras, seguindo as oscilações internacionais do petróleo implantada em 2016 pelo então presidente da empresa, o engenheiro Pedro Parente, 69 anos. Até então, a empresa praticava uma espécie de subsídio não oficial nos preços dos combustíveis. A nova política fez com que a gasolina, o óleo diesel e o gás de cozinhas passassem a ser reajustados pelas oscilações dos preços internacionais. Isso significou aumentos semanais. A política de preços implantada por Parente vigora até os dias de hoje na Petrobras e tem trazido dividendos milionários para os acionistas da empresa. Mas, somada à invasão da Ucrânia pela Rússia e a desvalorização do real perante o dólar, pode custar a reeleição de Bolsonaro. É o chamado efeito “bumerangue” – um artefato que teve a sua origem como arma de caça, cuja característica é voltar para a mão de quem o arremessa.
Outro motivo para a desvalorização do real perante o dólar é a “boca de conflito” de Bolsonaro. Semanalmente ele faz declarações que abalam os mercados e tumultuam a econômica. Lembro que em 11 de março de 2020, no minuto seguinte que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia causada pela Covid-19, ele imediatamente começou a falar asneiras e não parou até hoje. Tudo foi documentado pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid, que conseguiu achar as digitais do presidente e dos seus assessores na morte de 650 mil brasileiros pelo vírus – há muitas matérias sobre o assunto na internet. Ao longo desses quase quatro anos de governo Bolsonaro nós jornalistas aprendemos como as coisas funcionam entre as quatro paredes da Presidência da República. Tudo gira ao redor de Bolsonaro. Ele manda e quem não obedece está fora. O momento que o Brasil e o mundo vivem é muito complicado. Exige muitas cabeças pensando para não fazer as coisas erradas. Afinal, temos uma guerra passado online e ainda vivemos a pandemia causada pela Covid-19. O governo do Brasil leva uma grande desvantagem nesse cenário mundial porque só tem uma cabeça pensando: a de Bolsonaro.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, em São Paulo.