Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Entre danos e reformas

Três assuntos têm formado a maior parte da pauta econômica: o balanço dos danos acumulados em vários anos, os desafios diante do governo e as propostas de ajuste e de reforma. Este último é o tópico mais complicado, principalmente por causa das negociações, avanços e recuos do presidente interino Michel Temer e de sua equipe. “Temer desiste de desvincular benefícios do salário mínimo”, informou o Globo em manchete na edição do sábado 11/6. Esse é um exemplo de recuo. Para facilitar a aprovação da maior parte da reforma da Previdência, tópicos mais polêmicos podem ser abandonados, pelo menos por algum tempo.

No mesmo dia o Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo deram destaque a outro componente da nova política, a fixação de limite para a expansão do gasto federal. Neste caso, a novidade foi uma especificação maior da proposta – de fato, um avanço.

A nova ideia, segundo noticiaram os dois jornais, é vincular a limitação da despesa ao objetivo definido para a dívida bruta do setor público. Isso envolverá, naturalmente, a fixação de metas de superávit primário suficientes para cobrir os juros e, além disso, reduzir o endividamento público.

Todos esses detalhes podem parecer muito técnicos, mas são, de fato, questões políticas muito quentes: congressistas dificilmente aplaudem medidas de redução e de racionalização de gastos.

O balanço dos danos

A competição na busca de novidades tem sido intensa, mas a cobertura fora da pauta obrigatória, isto é, do dia a dia, tem sido tocada de forma diferenciada pelos grandes jornais. Quem se limitar à leitura de um só jornal perderá, portanto, histórias boas e importantes.

O balanço dos danos tem sido um dos grandes temas fora da pauta comum. Na mesma semana o Estadão tratou do rombo na Funcef, a fundação de previdência dos funcionários da Caixa, dos problemas financeiros dos Correios e do provável socorro do Tesouro à Eletrobrás.

Com dinheiro muito curto e grandes prejuízos nos últimos três anos, os Correios deverão, segundo o jornal, precisar de empréstimo no segundo semestre para pagar salários e cobrir outros custos operacionais.

Na Caixa, 57 mil participantes do fundo já começaram a pagar uma taxa adicional, destinada a cobrir o buraco de R$ 2,3 bilhões contabilizado em 2014. O prejuízo, segundo se estima, deve ter chegado a uns R$ 5 bilhões em 2015 e mais aportes adicionais serão necessários.

No caso da Eletrobrás, um socorro de R$ 5 bilhões para capitalização foi mantido no Orçamento deste ano, segundo confirmou o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira. A negociação de papéis da empresa foi bloqueada na Bolsa de Nov York em 18 de maio, por atraso nas entrega das demonstrações contábeis de  2014. Enquanto prossegue uma investigação sobre desvio de recursos, os auditores se negam a assinar as demonstrações financeiras.

Nos três casos há vínculos claros entre o loteamento de cargos entre partidos, a ingerência política na administração e a deterioração econômica e financeira das companhias e de seus fundos de previdência.

Todos os grandes fundos de estatais estão com problemas, por terem sido forçados politicamente a investir em negócios duvidosos, como a Sete Brasil, ou obviamente ruins, como títulos públicos da Argentina (em situação de calote, na época) e da Venezuela. Bancos oficiais – o exemplo mais notável e a Caixa – foram forçados a aumentar as provisões para devedores duvidosos por causa da Sete Brasil. Todas essas histórias foram contadas por vários jornais nos últimos meses.

Limitando a ingerência dos partidos

Tramita no Congresso um projeto desenhado para dificultar a interferência de partidos na gestão desses fundos de previdência, mas a mudança é rejeitada por representantes eleitos pelos trabalhadores , segundo informou o Valor em manchete, na edição de 10/6, sexta-feira. Outra mudança legal, também sujeita a discussão no Congresso, deve favorecer a mudança de critérios para nomeação de diretores das estatais. A ideia é profissionalizar a gestão, valorizando, tanto quanto possível, funcionários de carreira.

Desprezando a mudança em discussão no Legislativo, partidos continuaram pressionando o presidente interino Michel Temer para conseguir postos de direção nas estatais. Para conter a pressão, o presidente congelou as nomeações até a aprovação das mudanças legais, como noticiou o Estadão no dia 7, terça-feira.

O noticiário sobre o balanço dos danos é entremeado, portanto, com a cobertura das negociações entre o governo interino e sua base. São transações tão marcadas pelo fisiologismo quanto têm sido habitualmente as relações entre o Executivo e seus aliados.

Forçado a mostrar-se fiel a um compromisso de austeridade, o presidente interino tenta resistir pelo menos às pressões mais escandalosas. Rotineiras até há pouco tempo, essas negociações são hoje acompanhadas com especial atenção e podem render manchetes. Os jornais, ninguém pode negar, estão cuidado de sua tarefa.