Contraponto seria uma boa palavra para descrever as linhas principais da cobertura econômica na segunda semana de novembro. O primeiro plano foi ocupado, quase sempre, pelo noticiário sobre a crise das contas públicas e sobre as discussões sobre a meta fiscal para o próximo ano. Nesse plano, os infortúnios do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, quase sempre desautorizado pela presidente Dilma Rousseff, foram o grande tema. No segundo plano, mas ocasionalmente com maior destaque, foram narrados os movimentos e palavras, ostensivos ou meio secretos, do candidato de Lula para a Fazenda, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. A execução variou entre os jornais, mas valeu a pena acompanhar todas as coberturas.
O concerto começou discretamente no sábado, 7/11, com a reportagem do Estadão sobre um encontro no Palácio da Alvorada entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff e ministros mais próximos do gabinete. “Mesmo sem aprovar o ajuste, governo discute o pós-ajuste”, informou no título a reportagem assinada por Vera Rosa. Lula cobrou mais ação do governo contra a crise política e voltou a criticar a política econômica. “A gente precisa dar um sinal de que está governando o país”, disse ele, segundo uma fonte citada sem identificação.
A cobertura ganhou volume na terça-feira, quando o Valor noticiou na primeira página a intensificação das pressões do PT para substituição de Levy. Segundo a matéria, Lula e seus companheiros atribuiriam a Henrique Meirelles a tarefa de “implantar uma política baseada na retomada do crédito, no aumento do consumo e na liberação de empréstimos internacionais para os Estados”. No mesmo dia o Estadão classificou a liberação de R$ 3 bilhões do Tesouro para o Finame PSI como mais um “revés para Levy no ajuste fiscal”. Batendo no mesmo assunto, o Globo informou no dia seguinte: “Levy sofre novo desgaste”.
A partitura foi especialmente rica na quarta-feira. “Irritado com Levy, Lula retoma críticas ao ministro”, noticiou o Estadão. “Meirelles já conversa com governistas”, publicou o Valor na primeira página. Na quinta, Levy e Meirelles apareceram juntos em fotos, participando do Encontro Nacional da Indústria, em Brasília. Foi um dia especialmente complicado para o ministro da Fazenda, envolvido em dois rounds de negociação e discussão sobre a meta fiscal de 2016.
No primeiro round ele foi vencido, porque a presidente, dando prioridade à opinião do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, autorizou a inclusão, no projeto da LDO, de um abatimento de até R$ 30 bilhões da meta de superávit primário do próximo ano. O abatimento foi reduzido a R$ 20 milhões, depois de um acerto no Congresso. O acerto parecia definitivo e na quinta-feira Levy ainda aparecia como derrotado. Meirelles, segundo a Folha, teria indicado a um interlocutor a disposição de assumir a Fazenda se tivesse autonomia para conduzir a política econômica –uma condição negada pela presidente a Levy. Na primeira página do Valor, Meirelles apareceu “criticando o derrotismo”, enquanto Levy era descrito como “massacrado” num jantar com senadores.
Mas o noticiário acabou mudando de forma surpreendente. Na quinta-feira, num lance inesperado, parlamentares da base e da oposição concordaram em manter a meta original, um superávit de R$ 43,8 bilhões.
Em algumas coberturas, o resultado apareceu como vitória do ministro da Fazenda, mas a mudança, afinal, só ocorreu porque foi possível uma combinação entre parlamentares oposicionistas e governistas. Este detalhe foi ressaltado mais claramente no Valor. Mas, nessa altura, outro detalhe aparentemente inesperado – ou inesperado para muita gente – já havia ocupado as páginas de jornais e as informações on line durante dois dias.
A fala de Meirelles, em Brasília e depois em São Paulo, era muito parecida com a de Levy. O ex-presidente do BC defendia prioridade para o ajuste das contas públicas, propunha mais ênfase no corte de gastos que no aumento de impostos, criticava a redução voluntarista de juros, elogiava a privatização e propunha maior abertura da economia. Qual seria a mudança, afinal, se ele substituísse Levy no Ministério da Fazenda? Já na sexta-feira o Valor destacou a nova questão, discutida em artigo de Leandra Peres. Foi a principal tentativa, até aquele momento, de olhar os fatos por um ângulo diferente.
Durante a semana, a perspectiva de substituição de Levy repercutiu de forma positiva na Bolsa, em São Paulo, com ações em alta e juros em baixa. Amovimentação foi registrada por agências e jornais.
A cobertura teria sido mais interessante, e provavelmente mais divertida, se algum operador do mercado explicasse com algum detalhe suas expectativas. De repente a fritura do ministro da Fazenda se havia tornado boa notícia? Por que a provável nomeação de Meirelles seria positiva? Ele teria mais chance de conseguir apoio às suas medidas? Se ele mudasse a política e seguisse a linha recomendada por Lula o mercado reagiria bem? Alguém esperava dele a condenação do ajuste? Sua nomeação significaria a liquidação do poder da presidente? Teria valido a pena explorar um pouco mais esses detalhes – até porque, na sexta-feira, o comportamento do mercado se inverteu.
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Rolf Kuntz é colunista de O Estado de São Paulo e professor de filosofia política na USP