Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O FMI e a notícia sem espanto

Mais veloz que o Senado, o mercado financeiro dá como resolvido o impeachment da presidente Dilma Rousseff e refaz suas projeções com base nessa aposta. Se alguém acha isso estranho, deve estranhar muito mais as novas avaliações do Fundo Monetário Internacional (FMI). Dirigentes do Fundo têm-se mostrado mais otimistas em relação ao Brasil. Há algo aparentemente misterioso nessa mudança.

O novo otimismo, ainda moderado,  baseia-se em boa parte  nas iniciativas e anúncios do governo interino. Há uma aposta na permanência do presidente Michel Temer? Ou na manutenção de sua política, se a presidente Dilma Rousseff retornar ao posto? Ao noticiar as novas projeções e avaliações do FMI, os jornais passaram longe dessas perguntas. Seriam mesmo irrelevantes?

As novas projeções apontam uma contração econômica de 3,3% neste ano e um crescimento de 0,5% no próximo. As anteriores, divulgadas em abril, indicavam para 2016 um produto interno bruto (PIB) 3,8% menor que o de 2015. Para 2017 a estimativa era de crescimento zero. Houve, portanto, uma melhora de 0,5 ponto porcentual em cada cálculo.

As novas avaliações foram baseadas em parte no desempenho do primeiro trimestre, melhor que o esperado. Essa evolução ocorreu, portanto, antes do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Mas a revisão de expectativas decorreu também das iniciativas e anúncios do governo interino.

Segundo o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental, Alejandro Werner, as novas projeções para a economia brasileira foram feitas sem consideração do impacto de “fenômenos políticos”. Pode ser, mas em seguida ele destacou, como fator muito importante, a execução das medidas de ajuste anunciadas pelo governo.

Ele se referiu, obviamente, ao governo provisório, comandado pelo presidente interino Michel Temer. Em seu comentário sobre as perspectivas brasileiras, Werner ainda mencionou, de forma direta, a proposta de um teto para o aumento do gasto público. “Essa foi”, disse ele, “uma iniciativa importante para atacar os problemas financeiros do país”.

Apoio do FMI ao governo interino

O diretor Alejandro Werner foi além e lembrou o papel do Congresso na aprovação e na implementação das mudanças. “O Brasil”, comentou, “passa por uma transição política e o Executivo e o Legislativo devem começar a pôr em prática essas iniciativas”.

O apoio do FMI às medidas e intenções apresentadas pelo governo provisório é, portanto, inequívoco. O diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental citou a boa recepção dessa política pelo mercado financeiro. Poderia ter ficado por aí, mas deixou clara sua opinião sobre as iniciativas do governo Temer.

Em nenhum momento, pode-se ressalvar, o diretor departamental do FMI se declarou favorável à permanência do presidente Michel Temer ou à volta da presidente Dilma Rousseff. Mas as novas expectativas serão compatíveis com qualquer das duas hipóteses?

A cobertura dos meios de comunicação ficou longe dessas questões. O apoio às medidas propostas ou prometidas pelo presidente interino e por sua equipe foi noticiado como algo perfeitamente natural, embora nem sequer a interinidade tenha sido lembrada, como ressalva, pelo representante do Fundo. Tampouco se deu maior destaque a sua referência a uma transição política. Que transição?

Não se trata de criticar os técnicos ou dirigentes do FMI por basearem sua reavaliação das perspectivas brasileiras numa eventual mudança de governo. Podem ter argumentos para isso. Mas o leitor ou espectador deve ter o direito de esperar um pouco mais atenção a detalhes como esse, nas coberturas de jornais e emissoras de rádio e TV.

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Rolf Kuntz é colaborador de O Estado de São Paulo e professor da USP