Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Rebaixamento, a história incompleta

O dano causado pela crise financeira do governo – e pelo rebaixamento da nota de crédito do Brasil – foi muito além da administração federal. Se ficasse por aí, o estrago já seria grande, mas a reclassificação do país avançou como um tsunami pelo mundo empresarial. Os jornais noticiaram essa parte do desastre, mas de forma limitada e um tanto burocrática,

A parte central da história, a reavaliação do crédito soberano, foi explorada amplamente. Ao reduzir os títulos do Tesouro à condição de “junk bonds”, isto é, de papéis lixo, a Standard & Poor’s ( S&P) complicou o financiamento, já muito custoso, da dívida pública brasileira. Isso já seria ruim, mas a novidade é ainda mais preocupante.

A ação da S&P  tornou mais próximo um risco temido por todo governante razoavelmente consciente. Se mais uma agência rebaixar o país ao grau especulativo, importantes fundos ficarão proibidos de comprar títulos brasileiros. Não se trata de uma escolha, mas de uma regra. Se a Moody’s mover a nota do Brasil para um degrau abaixo, o acesso a uma parte importante do financiamento será cortado.

A onda avançou, nos dias seguintes, com novos comunicados da S&P. O corte da nota do Brasil levou rapidamente à revisão das notas de 60 empresas e, logo depois, dos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina e da cidade do Rio de Janeiro.

A lista de 60 empresas inclui estatais e grandes companhias privadas de vários setores – bancos Itaú, Bradesco e Santander,  Vale, Ambev Votorantim Cimentos e  Globo, por exemplo. Vinte e quatro empresas e 12 bancos perderam o grau de investimento. Alguns nomes foram citados pelos jornais, mas ninguém avançou na verificação de reações no setor privado.

A cobertura do desastre, nesse capítulo,  concentrou-se na Petrobrás. Um dia depois da perda do grau de investimento, o valor das ações da companhia, na bolsa brasileira, caiu ao nível de novembro de 2004. Também houve recuo em Nova York, apontou o Estado de S. Paulo.

O valor de mercado da empresa encolheu US$ 200 bilhões, de US$ 228,21 bilhões para US$ 28,03 bilhões, desde o início do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff destacou a Folha de S. Paulo.

Enfraquecida pela pilhagem  investigada na Operação Lava Jato, a Petrobrás já havia reconhecido prejuízo em suas contas, cortado o valor de ativos e reduzido o plano de investimentos. Noticiado o novo corte de sua nota pela S&P, a diretoria da empresa anunciou nova revisão do plano de negócios e novo esforço de contenção de custos.

Nada mais justificável, como decisão editorial, que o destaque dado ao drama da Petrobrás, mais uma vez prejudicada pelo estilo de ação adotado no Palácio do Planalto.

Não se tratou, desta vez, nem de loteamento de postos importantes, nem de controle político dos preços de combustíveis, nem de investimentos mal planejados ou de assaltos com participação de empreiteiras. A empresa simplesmente pagou por decisões tomadas na administração das contas federais.

Mas não teria valido a pena dar um pouco mais de atenção às empresas privadas – financeiras, industriais e outras –atingidas pelo rebaixamento do crédito soberano? Uma lista completa poderia ser interessante, assim como opiniões de dirigentes dessas companhias.

Agências de classificação podem ter alguma justificativa para estender ao setor privado a reprovação imposta ao governo. Mas seria instrutivo mostrar ao leitor, com mais detalhes, como a rotina e também os planos dessas empresas serão afetados. Isso tornaria muito mais clara a extensão da responsabilidade de um governo quando escolhe este ou aquele rumo para a gestão de suas contas.  Só um jornal, o Valor, dedicou atenção especial aos danos impostos àquelas companhias.

Quando mandaram ao Congresso uma proposta de orçamento com déficit primário de R$ 30,5 bilhões, poucas semanas depois de ter cortado a meta fiscal de 2016, teriam a presidente e seus ministros uma razoável noção de quanto estava em jogo? Alguma fonte do governo talvez desse uma resposta interessante a essa pergunta.

Essas mesmas fontes, afinal, continuaram alimentando a imprensa, depois do rebaixamento, com informações extra-oficiais sobre as possíveis medidas de ajuste. Segundo uma dessas informações, o governo continuava disposto, apesar da resistência de políticos e de empresários, a ressuscitar o imposto do cheque, a CPMF, com um novo nome e características pouco alteradas.

Mas nenhuma autoridade mostrou com clareza como seria enfrentada a nova emergência.  Só o Globo, no entanto, resumiu essa parte da história em letras grandes e de forma inequívoca, na manchete de sexta-feira: “Governo reage com resposta improvisada”.  Subtítulo: “Dilma reúne ministros, mas não anuncia medidas concretas”.

A trégua nos preços

A semana trouxe pelo menos uma notícia aparentemente positiva na área econômica. O advérbio “aparentemente” é indispensável, neste caso. A inflação de agosto, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ficou em 0,22, a menor taxa do ano, até agora. Jornais e tevês mostraram também o pequeno recuo da alta de preços acumulada em 12 meses: 9,53%, pouco menor que o número do mês anterior, 9,56%. As coberturas apontaram o risco de novas pressões – a alta do dólar, por exemplo – e o risco de uma reaceleração dos aumentos.

Teriam feito um pouco mais, no entanto, se lembrassem a trajetória da inflação nos últimos dois anos, com recuo na passagem do primeiro para o segundo semestre e uma retomada em seguida.  Poderiam ter completado a informação com as projeções do mercado para o segundo semestre.

Bastaria procurar, no site do Banco Central, a seção de Indicadores Econômicos Consolidados. Ali estava a seqüência prevista para os meses seguintes: 0,36% em setembro, 0,50% em outubro, 0,58% em novembro e 0,66% em dezembro. Taxa acumulada no ano: 9,33%, mais que o dobro da meta oficial (4,5%). Com uns poucos cliques seria fácil enriquecer o material.