“Entre Deus e o dinheiro, o segundo é sempre o primeiro” (ditado catalão)
Para um bocado de gente que se recusa, por conveniências diversificadas, absoluta alienação ou simples comodismo, a encarar o semblante assustador da realidade socioeconômica mundial, com suas escandalosas estatísticas referentes às disparidades humanas em matéria de conforto e bem estar, aqui estão, saídas agorinha mesmo do forno, revelações atualizadíssimas de como continuam sendo distribuídas as riquezas do planeta.
Apenas 1% (um por cento) dos viventes deste mundo do bom Deus (repleto de enclaves ardilosamente montados pelo tinhoso) detém a metade dos bens produzidos coletivamente. Os 99% restantes, todos eles juntos da silva júnior, são “estimulados” a se contentarem com a outra metade do bolo. Assim, no mundo; assim, no Brasil.
Dessa outra metade, falando em termos globais, 3,4 bilhões de criaturas possuem patrimônio médio estimado em 38 mil reais, em contraste com o patrimônio médio pessoal calculado em 2,9 milhões de reais da minoritária parcela dos afortunados. Tais dados são extraídos de relatório elaborado pelo banco Crédit Suisse. O estudo também assinala que a crise de 2008, com epicentro na “bolha imobiliária estadounidense”, reconhecida como a maior maracutaia da história humana em todos os tempos, acabou servindo, “só pra variar”, para enriquecer os mais ricos e empobrecer os mais pobres.
A concentração da riqueza nestes nossos tempos, por inverossímil que possa parecer, guarda semelhança com a situação reinante na Inglaterra de Charles Dickens, ou a situação da França de Victor Hugo. É o que assegura em substanciosa análise, sob o título “No Mundo de Os Miseráveis”, o jornalista Antônio Luiz M. C. Costa, do quadro de redatores da revista CartaCapital. No ano de 2010 – lembra ele – saiu publicado o “1º Relatório da Riqueza Global” elaborado pelo Crédit Suisse. Constatação surpreendente emerge do relatório divulgado cinco anos depois, em 13 de outubro de 2015: os dados levantados são, comparativamente, bem piores. Textualmente: “A concentração de renda mundial alcançou níveis tão críticos quanto os do mundo industrializado antes da I Guerra Mundial. Apesar do relativo otimismo de 2010, a metade mais pobre dos 8,4 bilhões de adultos ficou ainda mais depauperada. Agora possui menos de 1% da riqueza planetária estimada em 250.1 trilhões de dólares, enquanto o décimo mais alto controla quase 90% (87,7%, para ser exato) e o centésimo no topo, exatos 50%.”
Patrimônio de 85 bilionários é igual ao de 3,7 bilhões de pessoas
A estupefação gerada por todos esses fabulosos números só faz crescer e de forma bem assustadora. A revista Forbes, mencionada na análise, informa que o número de multimilionários no orbe terráqueo cresceu de 1011 indivíduos , com um total de 3,6 trilhões de dólares, para 1826, com um total de valores agregados da ordem de 7,05 trilhões de dólares. Em 2010, esse seleto grupo possuía praticamente o mesmo que a metade mais pobre da humanidade. Cinco anos passados eles aumentaram seus haveres para mais que o triplo.
De espanto em espanto acabamos chegando a uma outra revelação desnorteante, essa aí fornecida pelo Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz. Acompanhem, por favor, o raciocínio. Num ônibus tipo Move [sistema de transporte rápido] dá pra colocar os caras mais ricos do mundo, detentores de fortunas estimadas em 13,4 bilhões de dólares ou mais, dois brasileiros incluídos na lista. São apenas 85 (repita-se, oitenta e cinco). O poder de fogo financeiro desse grupo, assegura Stiglitz, iguala-se à metade de baixo da pirâmide social. Ou seja, 3,7 bilhões de seres humanos, dos quais 2,4 bilhões de adultos, cujos patrimônios pessoais somados igualam os mesmos 2,1 trilhões de dólares dos felizardos ocupantes do veículo acima citado, valha-nos Deus, Nossa Senhora!
Diante do quadro socioeconômico que aí está, alvo de questionamentos constantes por parte das lideranças mais lúcidas da sociedade humana, caso – para ficar num único exemplo – do carismático Francisco, de Roma, não há como não deixar de reconhecer a embaraçosa exatidão do ditado popular catalão que expõe faceta perturbadora da conduta humana: entre Deus e o dinheiro, o segundo é sempre o primeiro.
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Cesar Vanucci é jornalista