Será que o complexo midiático contemporâneo consegue absorver, processar e entregar ao público o formidável fluxo de fatos devidamente ordenados, vinculados e hierarquizados?
Dificilmente.
Serão fruto de meras coincidências as visitas quase simultâneas aos Estados Unidos do papa Francisco, dos presidentes chinês, Xi Jinping e russo, Vladimir Putin, sem mencionar as dezenas de outros importantes Chefes de Estado, inclusive a presidente Dilma Roussef ?
É certo que a abertura da 70ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas nesta segunda-feira, 28/9, foi um dos vetores responsáveis pela seleta exibição de estadistas-celebridades no circuito norte-americano. Mesmo retornado na véspera o pontífice Francisco faz parte desta magnifica coleção de líderes.
Será que ao longo destes 70 anos todas as aberturas das assembleias da ONU foram tão pródigas e floridas? Nem a primeira, realizada em Londres a 10 de janeiro de 1946 — cinco meses depois de disparado o último tiro da maior catástrofe bélica dos últimos 500 anos — teve tamanha concentração de VIPs.
Qual a fórmula mágica do conclave deste annus horribilis de 2015?
Medo. Remissões. Pavor de repetições. As guerras da Coreia, do Vietnã, do Irã-Iraque foram provavelmente mais sangrentas e demoradas do que atual Guerra Civil na Síria. Mas o conflito para derrubar o presidente Bashar Al-Assad, último episódio da Primavera Árabe, mostrou um inesperado e devastador potencial de irradiação. Todos contra todos, não é apenas um tag para classificar guerras. É a constatação de que a humanidade não aguenta mais a sujeição à dinâmica bélica.
Na dramaturgia greco-romana, exodus designa a parte final das tragédias quando os exauridos protagonistas retiram-se de cena destroçados pelas emoções que viveram. O êxodo que assistimos ao vivo, em cores e HD no sul e centro da Europa, pegou uma humanidade distraída pelo narcisismo dos selfies, pela inútil trepidação dos Rock in Rio e/ou pela ideologia do ódio que as redes sociais candidamente oferecem aos usuários.
Os porteiros das redações formados na atual entre-safra generacional só descobriram muito tempo depois que as crianças sírias que morrem na praia não são sírias, são curdas ou yazidis. Os fantasmas que se escondem nos armários do palácio de Bashar Al-Assad são genocidas, étnicos ou religiosos, mas genocidas. Do que acontecerá em Damasco depende o futuro do Líbano, da Jordânia, da Turquia, Iraque, Irã e dos 35 milhões de curdos espalhados pela Ásia Menor, Criméia e Balkãs, somados ao arrogante Estado de Israel, criado em 1947 pela ONU e que agora recusa implementar suas determinações.
Os estadistas que acorreram à abertura da 70ª Assembleia-Geral da ONU não são obrigatoriamente experts em História. Mas pressentem que podem ser suas vítimas. Reuniram-se em Manhattan porque lá encontrariam um anfitrião fruto da tolerância, do diálogo, do multicultarismo, socialista para os reacionários, imperialista para os sectários, o estadista padrão-século XXI, inevitavelmente pacifista: Barack Obama
Os jornais que conseguirem enxergar e reproduzir o que acontece e palpita naquele prédio em Nova York diante dos painéis Guerra e Paz de Portinari, mesmo impressos em papel merecerão o prêmio de modernidade.
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Alberto Dines é jornalista, escritor e fundador do Observatório da Imprensa