Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Efeitos da polarização política

Almoçando com amigos em um restaurante de hotel, tinha, na mesa ao lado, um grupo de funcionários, provavelmente gerentes do Bradesco, participantes de um evento no local promovido por este banco.

Em dado momento, o mais saliente deles tomou a palavra e pronunciou umas palavras de louvor ao Senhor – fiquei em dúvida se o tal Senhor era Jesus, Deus ou Amador Aguiar –, não sem antes exorcizar os que não comungam do mesmo credo. Não me recordo se rolou um amém no final. Enfim, tudo nos conformes daqueles que lançam loas ao Senhor e, na prática, trabalham para o Deus Dinheiro. Gente que Jesus, com certeza, enxotaria do templo como fez com os vendilhões.

Antes de irmos embora, passamos para nos despedir de amigos que também estavam no mesmo restaurante e o dito cujo orador, que voltava do bufê para sua mesa, se intrometeu na nossa conversa e arrematou que o único que não merecia clemência era o Lula e foi-se, todo fagueiro, para a sua mesa. Fez isso sem nenhum de nós pedirmos sua opinião. Talvez sua expectativa fosse de assim conquistar nossa simpatia. Afinal, gente distinta e branca só pode compartilhar este tipo de pensamento. A resposta nossa foi o silêncio. O fato é que todos nós, mesmo tendo aqui e ali discordâncias ideológicas e partidárias, fechávamos questão em um ponto: todos éramos e somos politicamente progressistas e suficientemente esclarecidos para saber que aquele sujeito só poderia ser um daqueles que repetem como papagaio os conceitos e preconceitos aprendidos lendo os jornalões, noticiários de TV e rádios.

O paradoxal é que o patrão deles, Luiz Carlos Trabuco, manifestou-se publicamente contra a proposta de impeachment. Ele não fez isso por ser bonzinho ou alinhado politicamente com o governo. Fez porque percebeu as implicações e os riscos que tal aventura representa até para eles, patriciados. No fundo, como todo o pessoal da Casa Grande, eles confiam menos no governo Dilma que no governo de Lula, de quem já desconfiam e fazem campanha sistemática via seu braço ideológico, a grande mídia. Confiam menos porque ela, ao baixar os juros e tarifas de energia elétrica, sinalizou uma guinada mais à esquerda, mais nacionalista que Lula. Neste episódio, ela errou na avaliação por não se dar conta que o discurso dos empresários brasileiros é “de onda”, é para inglês ver. A maioria deles, infelizmente, é mais rentista do que empresário comprometido com o setor produtivo. Basta ver que Paulo Skaf, presidente da Fiesp é um sem-empresa.

Voltando aos executivos ou, sei lá, gerentes do banco Bradesco: eles são figuras menores que reprisam aquele velho ditado popular feito por alguém ao analisar a entourage do rei: eles são mais realistas que o rei. A explicação para isso prescinde de estudos acadêmicos e pode ser resumida em uma junção de puxa-saquismo aos ricos e poderosos com analfabetismo funcional. A toda hora deparo com doutores, com pessoas com títulos universitários pomposos, proferindo conceitos e preconceitos iguais aos taxistas mais reaças, ao bêbado de boteco mais chinfrim. O traço comum: todos tipos assim abdicaram de pensar politicamente e terceirizaram este departamento para a grande mídia. Como esta é, como bem disse Bernardo Kucinski, o núcleo duro ideológico dos muito ricos, o resultado é um discurso antidemocrático deprimente: engenheiro nuclear e outros com diplomas universitários portando cartazes com os dizeres mais reacionários e toscos em manifestações de direita contra o governo e se achando no direito de incomodar qualquer um em lugares públicos como restaurantes, achando que ao fazer isso estão dando um exemplo de cidadania quando apenas estão mostrando sua ignorância política e espírito de puxa-saco dos verdadeiramente poderosos desde sempre.

O contraditório se instaura: o patrão se manifestando publicamente contra o impeachment e o empregado no embalo da campanha promovida pela voz pública dele, que é a grande mídia, se manifestando da forma mais estridente e destrambelhada pró-impeachment.

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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor