Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Sobre o processo de impeachment contra Trump

(Foto: Divulgação Oficial da Casa Branca – Shealah Craighead)

Na atual conjuntura geopolítica, qualquer governo – tanto à esquerda quanto à direita – que apoie uma maior intervenção estatal na economia ou represente o mínimo entrave para a livre circulação de mercadorias e capitais corre o risco de sofrer um processo de impeachment (eufemismo contemporâneo para “golpe de Estado”). Estes foram os casos de Manuel Zelaya, em Honduras; de Fernando Lugo, do vizinho Paraguai; de Dilma Rousseff, aqui no Brasil, e talvez do presidente estadunidense Donald Trump.

Na terça-feira (24 de setembro), a presidenta da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a democrata Nancy Pelosi, anunciou a abertura de um processo de impeachment contra Trump. O motivo alegado é uma pressão que Trump teria feito para que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, investigasse o ex-vice-presidente Joe Biden, pré-candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata. Em julho, Trump telefonou para o presidente ucraniano e pediu a investigação contra Biden e também contra o filho do pré-candidato, Hunter, que se tornou integrante do conselho de uma empresa ucraniana quando Biden era vice-presidente dos Estados Unidos.

Segundo o jornal The Washington Post, Pelosi deve autorizar a criação de uma comissão especial para investigar Trump semelhante à que foi criada em 1973 para o então presidente Richard Nixon, pelo escândalo de Watergate. No entanto, conforme apontou uma matéria de um partido político da esquerda brasileira, “independentemente das motivações oficiais para o processo contra Trump, e da procedência ou não das acusações, o verdadeiro sentido da abertura de um impeachment é político”.

Já no processo eleitoral estadunidense de 2016 era bastante claro que o candidato preferido do grande capital não era o republicano Donald Trump, mas a democrata Hillary Clinton. Na época, havia dois projetos bem definidos de política econômica. De um lado, Trump defendia medidas protecionistas, questionava acordos comerciais com outras nações e propunha as valorizações da mão-de-obra e de mercadorias nacionais em detrimento da concorrência estrangeira. De outro lado, Hillary apregoava o livre-comércio, a livre circulação de capitais e uma política externa mais agressiva, ou seja, uma maior intervenção dos Estados Unidos em outros países, sobretudo no Oriente Médio. Portanto, não era difícil inferir que Hillary era a preferida do mercado e, consequentemente, dos poderosos conglomerados midiáticos.

Isso explica o porquê de Donald Trump ser representado negativamente nos noticiários, não só da imprensa estadunidense, mas da imprensa global. É fato que o próprio perfil polêmico de Trump – machista, xenófobo e fanfarrão -, por si só, já seria motivo suficiente para não o apoiar. Entretanto, não são estes os reais motivos para tanta ojeriza em relação ao atual mandatário da Casa Branca, pois o grande capital, e seus principais porta-vozes, os principais grupos de comunicação, já apoiaram personalidades piores do que o próprio Trump. Para o mercado, não importa se um governante é progressista, fascista, ditador, democrático ou intelectual, o importante é que a manutenção dos lucros esteja garantida.

Nesse sentido, se quisermos entender as razões da atual ofensiva midiática global contra Trump, devemos deslocar o foco de questões morais para nos atermos a poderosos interesses econômicos.

Ainda durante a campanha de 2016, seguindo as coberturas reducionistas e maniqueístas da imprensa, muitas pessoas acreditavam que, se Trump simbolizaria o “mal”, sua rival, Hillary Clinton, representaria o “bem”. Todavia, uma breve análise sobre a atuação da ex-primeira-dama como secretária de Estado do governo Obama revela uma postura política que defendeu fervorosamente a invasão dos Estados Unidos a outros países, principalmente à Líbia.

Ora, por mais influente que um político possa ser, um mandato presidencial é uma questão demasiadamente complexa, além das personalidades individuais. Em um país como os Estados Unidos, o capital especulativo, interesses corporativos e militares, entre outros poderosos lobbies, norteiam o andamento estatal. Não obstante, conforme a história demonstra, os Estados Unidos são uma potência inerentemente expansionista, independente de quem ocupe a Casa Branca.

Nesses quase três anos de mandato, podemos dizer que, se a mídia não gosta de Trump por causa de suas posturas contrárias ao liberalismo econômico, a recíproca também é verdadeira. Qualquer menção negativa ao presidente estadunidense em um meio de comunicação logo é classificada pelo próprio como fake news. Lembrando as palavras do saudoso Alberto Dines, em artigo publicado neste Observatório da Imprensa em janeiro de 2017, “Donald Trump não gosta da mídia, escolhe o jornalista para fazer perguntas e só responde ao que lhe parece conveniente. Não é o primeiro caso de governante vaidoso e arrogante, com aversão a repórteres e a notícias negativas. O pior é que a moda pode pegar por aqui. Cômodo e gratificante” (mal sabia Dines que, dois anos depois, Jair Bolsonaro teria a mesma postura aqui no Brasil).

Ainda sobre o processo de impeachment de Trump, apesar de os Democratas terem maioria na Câmara, o julgamento, em si, é feito no Senado, onde os Republicanos possuem pouco mais da metade dos parlamentares; fator que, em tese, tende a inviabilizar a deposição de Trump. Porém, o próprio desgaste político de enfrentar um processo de impeachment poderá levar os Republicanos a não indicarem Trump como candidato para a eleição presidencial do ano que vem, lançando assim um nome mais palatável para o mercado.

Por outro lado, é importante esclarecer que este artigo não teve a intenção de fazer qualquer tipo de apologia a Donald Trump ou defender o presidente estadunidense da ofensiva midiática à qual tem sido submetido. É preciso evitar posicionamentos maniqueístas. O fato de Donald Trump ser de alguma forma “adversário” dos grandes capitalistas não faz com que ele esteja do lado da classe trabalhadora ou dos setores excluídos da sociedade. Meu intuito, neste texto, é somente ressaltar a necessidade de se manter um certo ceticismo frente às coberturas geopolíticas da mídia. Devemos, portanto, enxergar além do que parece óbvio, contextualizar os acontecimentos, analisar todas as possibilidades e desconfiar de supostas posturas altruístas dos grandes grupos de comunicação, pois, parafraseando um conhecido ditado popular, “de boas intenções, a mídia está cheia”.

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Francisco Fernandes Ladeira é mestre em Geografia pela UFSJ e professor do PROEJA do IFES – Campus Vitória. Autor (em parceria com Vicente de Paula Leão) do livro A influência dos discursos geopolíticos da mídia no ensino de Geografia: práticas pedagógicas e imaginários discentes, publicado pela editora CRV.