A crise brasileira não é só econômica. A bem da verdade, não parece muito iluminada a iniciativa de defini-la exclusivamente a partir dos dados financeiros; aliás, um dos graves retratos da verdadeira crise em curso no Brasil está ocultado nesses mesmos dados, entre outros: quem os coleta? De que maneira os seleciona? E ainda, o pior: de que maneira os apresenta? A temática parece pueril, pelo menos nesta reflexão, por conta de sua lógica, que não nos obriga a uma remissão incursiva e teórica profunda nos grandes nomes das Ciências Humanas e Sociais… Mas minha pretensão, aqui, limita-se mesmo em seu próprio círculo de caráter seminal e propedêutico.
Há alguns anos, escrevi um pequeno artigo para o Observatório da Imprensa ; naquela reflexão, incipiente e diminuta – talvez por isso também menos impactante, por conta de inexpressividade de seu autor –, tentei transcrever aquilo que pulsava em meu instinto de recém-graduado em jornalismo, esperando de alguma forma encontrar um lenitivo que aliviasse a tensão de um jovem saturado de seu próprio ambiente sociocultural e mesmo econômico. É um dos casos típicos em que a comunicação, em si mesma, funciona como ab-reação, uma sutura na superfície rasgada das insatisfações pessoais, amarradas que estão à dinâmica da realidade social. Naquele mesmo e tão breve texto, eu destacava o valor da informação, enquanto ouro que é nas mãos do artífice jornalista, do “artesão intelectual”, utilizando aqui uma expressão de Wright Mills.
Eis aí um ardiloso problema, que se nos coloca à exposição, todos os dias, pela grande imprensa; a qualidade do ouro (informação) trabalhado nas oficinas nacionais da notícia se reflete poderosamente na formação da consciência popular. Hoje, um passo que estamos já à frente do futuro, a produção noticiosa de massas nos vem propor, à noveau, as amarras do passado; ora, os poderosos conglomerados de mídia há muito já desataram sua atuação única e exclusiva nos grandes veículos, rádio e TV. E, diuturnamente, nós, internautas aprisionados a essa “liberdade” que nos é proposta [e imposta] pela dinâmica da rede, somos virtual e literalmente bombardeados por conteúdos noticiosos que [infelizmente] estruturam o delineamento de mundo das massas, formando mentes e concepções de mundo amputadas de bom senso e maleabilidade reflexiva.
Assistimos às enxurradas de equívocos e atropelos postados nas redes sociais pelas equipes de imprensa dos mais variados grupos que, ideologicamente adestrados a estratificarem a notícia segundo os graus de interesse de suas respectivas direções, enlameiam e aviltam a visão de uma sociedade politicamente míope (para não dizer cega), no sentido de tornarem ainda pior a ideia de crise e de caos na superfície da realidade social brasileira: é a imprensa da recorrente expressão “quanto pior, melhor”. E não são poucos os adeptos dessa “corrupção como religião” , à qual assistimos dia-a-dia.
Quem ganha com a desestabilização?
Apesar da visível demonstração de perplexidade estampada nos milhares de comentários postados nas redes contra grandes nomes da política, vê-se ainda [e novamente] a grande e verdadeira crise na sociedade brasileira: a nuclear corrupção pluripartidária é [estrategicamente abstraída] e preterida, nas consciências, frente à facilidade de seguir a correnteza produzida pelos donatários da notícia – resultado: uma polarização a simbolizar a mediocridade de um raciocínio binário que oculta algo mais desastroso, senão moralmente letal nesse país: a desinformação produzida pelo excesso de informação, ouro de quilatação baixíssima. E isso não é novidade. Daí a senilidade desse fato é um agravante ainda pior.
Mas, sob a penumbra do grande noticiário, um pequeno esforço de leitura já é capaz de revelar inúmeras possibilidades de entendimento da atual realidade social brasileira: por exemplo, parece evidente que houve, de fato, extrema inabilidade (mas, até que ponto?) na gestão econômica do atual governo, imperícia que, todavia, não deve nem pode carregar, solitária, o ônus dos resultados – um breve olhar lançado em direção ao Congresso Nacional já sepulta os questionamentos ao que digo. Não? Mais além, uma mirada calma pode avistar um horizonte múltiplo, desde que considere a absoluta tendenciosidade das articulações dos dados na produção da notícia. Eu me arrisco a dizer, como expert em economia e política que não sou – e aí assumo o risco de emendar o refrão petista “vamos vencer a crise” – que o Brasil não sucumbirá, como alardeia a grande imprensa.
E vou além. Tudo o que se veicula midiaticamente no Brasil de hoje carrega o gene da desarticulação governamental – o mais importante é avultar a crise: e a crise a que me refiro é [antes de tudo] a “informacional”. É esta a crise, inseminada all the time nas timelines. O poder da informação como estruturadora de conceitos, valores e visões de mundo é, sempre e hoje mais do que nunca, a chave com a qual as mega-articulações produtoras da imprensa desejam abrir as possibilidades de desarticulação politico-administrativa do Brasil, no sentido de instalar, na consciência social, uma bússola de orientação ideológico-partidária que aponte, inevitavelmente, para o desterro do insucesso.
Têm razão os que afirmam que otimismo não resolve problemas.
Mas quais problemas serão resolvidos com a disseminação midiática do pessimismo? Aliás, quais problemas se pretende [interessadamente] causar com isso? Um deles parece ser o alargamento da desestabilização governamental. E quem ganha com isso?
***
Valdevino Albuquerque Júnior é jornalista e doutorando em Ciência da Religião