Claudio Weber Abramo, o vice-presidente da da organização não governamental Transparência Brasil deu uma entrevista a rádio Deutsche Welle, da Alemanha, sobre o desenrolar da operação Lava Jato na qual emite uma série de opiniões capazes de provocar algumas reflexões sobre o combate à corrupção no Brasil. Segue a reprodução da entrevista:
Podemos dizer, a essa altura, que a Operação Lava Jato é um marco na história do Judiciário brasileiro?
Claudio Abramo: Não, isso só se saberá no futuro, a partir do que decorrer efetivamente dessa operação, e principalmente a partir daquilo que for consequência concreta no combate a corrupção, lá na frente – não uma consequência da operação diretamente, mas indiretamente. Ainda é impossível dizer isso. A gente está muito próximo dos acontecimentos para ter uma posição.
Mas, nesses dois anos de Lava Jato, qual é a importância dela para o país até o momento?
O principal efeito da operação foi o de colocar empresários presos, alguns inclusive já condenados. Isso foi resultado direto da chamada Lei Anticorrupção – erradamente nomeada, por sinal –, que permitiu induzir empresários a fazer confissões e contar quem mais participou de tramoias, por exemplo. Essa é a principal diferença em relação a casos passados de investigações, que não se regiam pela lógica da lei recente.
Como o senhor vê os acordos de delação premiada?
A delação premiada é um instrumento muito importante para o desvendamento de casos. Mas existe certa obscuridade, e eu me incluo nisso, no que diz respeito ao alcance dessas delações premiadas. Ou seja, qual pode ser a consequência de se levar à leniência excessiva, por exemplo.
Para mim, é estranho, porque esses quadrilheiros todos – eles são chefes de quadrilha, né? – faziam sacanagens entre si. Como é que vários deles assinam acordos de leniência? É um só que poderia fazer isso. Não todos. Então, para mim, não é claro se esse troço está sendo gerido direito. A minha tendência é achar que não.
Há chance de algumas investigações serem barradas, com uma anulação nos tribunais superiores, por exemplo?
Isso seria muito difícil de acontecer, porque o que acontece é o seguinte: essa decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar que as pessoas já cumpram pena uma vez que tenham perdido o recurso na segunda instância deve eliminar uma vasta maioria dos recursos que chegam aos tribunais superiores. Porque esse negócio de recurso no Brasil é um macete para atrasar as coisas. É para isso que serve. Não existe uma espécie de razão lógica ou jurídica para que aquela decisão que foi tomada 45 anos atrás seja revisada.
Como o STF decidiu que esses caras cumpram pena, a maior parte deles vai considerar que gastar dinheiro com advogados nessa situação não é um bom negócio. É simplesmente jogar dinheiro pela janela, pois eles já estão cumprindo pena. Essa decisão do STF, aliás, é muito importante e teve pouquíssima repercussão. Faz uma diferença danada, porque reduz muito essa indústria de recursos.
Os advogados da Lava Jato precisam, então, trabalhar de forma diferente?
Aqueles advogados que a gente viu no Mensalão – que são os mesmos de sempre, advogam no STF e no STJ – são profissionais especializados em tramoias processuais. São especializados em atravancar processos sob pretextos completamente descabidos, mas com alguma espécie de tintura de justificativa formal. Os advogados que lidam com a situação atual são de outro tipo: são advogados que lidam com as evidências concretas dos casos, com o mérito dos casos. Isso faz uma diferença brutal.
Quando o sujeito perde o recurso na segunda instância, que é no Tribunal de Justiça do Estado, e já é possível que ele cumpra pena, as coisas devem andar muito mais depressa. Não vai haver tanto recurso, pois é dinheiro jogado fora. Aqui no Brasil, o recurso sempre foi usado por quem tem dinheiro para pagar advogado, e assim protelar decisões com grande sucesso. Quem não tem dinheiro, não tem esse privilégio.
O senhor acredita que, com a Lava Jato, a sociedade brasileira passou a ver a Justiça com outros olhos?
É claro que não. A Justiça brasileira deve ser a pior do universo. Não se pode deduzir que a instituição do Judiciário brasileiro vai mudar por causa de um caso. Ela é horrorosa, péssima, não funciona direito. Os juízes estão cheios de privilégio descabido, gastam uma dinheirama preta, e os resultados são pífios. O Judiciário brasileiro precisa de uma reforma profunda.
E quanto à corrupção, as punições e condenações da Lava Jato serão capazes de reprimir a prática de crimes no futuro?
Não, punição não coíbe prática de crimes. A punição afeta alguns indivíduos, e é claro que ela tem que ser aplicada, evidentemente. Mas ela não previne crimes. Particularmente não previne corrupção. O fato de um Marcelo Odebrecht, por exemplo, ser condenado coloca certo freio nos atos de alguns empresários, mas os empresários encontram meios de escapar eles próprio dessa sina. Esse tipo de situação existe no mundo todo. O camarada não vai deixar de corromper para fazer negócio com o Estado, quando o problema está nos controles que são muito mais do cotidiano das práticas administrativas, o que exige uma atenção permanente.
Por isso, eu não acredito que a Lava Jato resulte em redução significativa de corrupção. Não vejo nenhuma espécie de movimento ou de opinião – fora a minha – que diz que, para combater a corrupção, é preciso combater as suas causas. E não simplesmente aplicar punição, que não combate as causas.
E quais seriam as causas?
No caso da Lava Jato, é o loteamento político da Petrobras. E não acontece só na Petrobras, mas em todos os estados brasileiros e nas três esferas. Todo prefeito loteia administração entre os seus aliados políticos – e que estão lá para roubar. Todo prefeito, todos: 100% deles e 100% dos governadores. Isso ninguém entende. Então, não dá para achar que vai haver redução da corrupção porque tem um caso ou outro. Não vai acontecer isso.
O que o senhor achou da última fase da Lava Jato, envolvendo Lula?
Eu achei que, por ser o Lula, foi um sinal de que os investigadores não têm nada contra ele, além da questão do apartamento [no Guarujá] e do sítio [em Atibaia]. Acredito que seja muito pouco para o tamanho do escândalo. Parece-me uma demonstração de falta de elementos para enquadrá-lo de maneira mais pesada.
Eu não estou dizendo que não tenha que se investigar, viu? O argumento que diz “ele foi presidente da República” não é cabível. Se há motivos para investigar, por que não? Estou dizendo apenas que o chamado “batom na cueca” não apareceu – me desculpe a expressão machista.
O que o senhor acha das críticas que dizem que a Lava Jato tem se comportado de maneira partidária?
Existe, sim, uma concentração em cima do PT e do PMDB. Mas se imagine na cabeça de um investigador: “Eu tenho um cara do PT, um que é indicado pelo PT, o presidente da Petrobras… Esses caras são do PT.” Então você vai fazer o quê? Investigar o PSDB por conta de um caso do PT? Não.
Mas se a pergunta é: “Outros casos envolvendo o PSDB são investigados com a mesma energia?”, a resposta é: “Claro que não”. Em São Paulo, por exemplo, o Ministério Público não investigou o caso dos metrôs com uma espécie de serenidade. E a coisa era realmente muito cabeluda.
Em vários dos protestos do último dia 13, o juiz Sérgio Moro e a PF foram alçados a heróis pelos manifestantes. O que o senhor acha disso?
Eu acho que isso é protofascismo. Acho esse negócio de ficar colocando xerife como herói perigoso. O pessoal não sabe com que está brincando. Não que eu seja favorável ao governo Dilma, acho um desastre. Mas esse negócio de “pega ladrão”, “xerifão” e etc. é perigoso. O aventureirismo na política nunca deu certo.