Eu, petrificada diante dos 90 mil mortos até o final do mês. Você, rindo da morte. Eu, de máscara. Você, “coisa de viado”. Eu, Mandetta. Você, cloroquina. Eu, vermelha de vergonha. Você, alvo da chacota do mundo. Eu, “comunista”. Você, vândalo destruindo a Cinemateca Brasileira, a Casa de Rui Barbosa, Funarte, Fundação Palmares, Educação, Cultura, Meio Ambiente, Direitos Humanos. Eu, pomba da paz. Você, ave de rapina sequestrando a bandeira, o amarelo, a democracia “esquerda”. Eu, somos 70. Você, 30%, olavistas, evangélicos, militares, Centrão, arruaceiros. Eu, morando num abacaxi gigante chamado Brasil. Você, tramando as eleições de 2022. Eu e tu, guardando cada pedacinho do bom do país para colar no mapa depois que você se for. Você, Mito que vem do apelido “palmito”, como alegou, pelas pernas finas.
A rede bolsonarista é bem mais ampla do que as 88 contas “inautênticas” bloqueadas no Facebook. É só somar Youtube, que pertence ao Google e Twitter, o Instagram, os disparos em massa, algoritmos do ódio. Contas falsas que se retroalimentam, ao custo de R$ 8 milhões. Redes de fake news respingando nos 3 garotos do capitão, todos acusados de rachadinhas [corrupção] em seus gabinetes. Um dos disparos partia de dentro do palácio do Planalto. Era o dedo de Tércio Arnaud Queiroz, assessor especial da Presidência. “Sobrou prá quem me apoia”, sofre Bolsonaro que, apanhado pela Justiça, com “histórico de atleta” permite ser apanhado pelo vírus. Outro assessor especial de Assuntos Internacionais da presidência, o olavista Filipe Martins, apela aos donos das redes excluídas: “saiam da bolha em que nos metemos, sejam persuasivos”.
Carluxo: “Estou cagando para esse lixo de fake news e demais narrativas”. Parlamentar desde 2001 aos 17 anos, o vereador Zero 2 quer desistir da reeleição e se mudar do Rio para perto pai.
Senador, Flávio (Republicanos-RJ) pergunta se a plataforma “Ultrapassou ou não os limites da censura, até onde se sabe todos eles [responsáveis pelas publicações] são livres e independentes.” Zero 1 ainda contesta os julgamentos que bloquearam as contas, “Não condizem com a nossa democracia”.
Zero 3, o deputado federal Eduardo (PSL-SP) promoveu um ato público em Brasília em defesa das armas e munições.
Olavo de Carvalho na rede Parler: “Não precisam rastrear minhas mensagens, senhores juízes e congressistas. Só tenho uma, é pública e dirigida a vocês: VÃO TOMAR NOS C…S”.
Foram anos de ataques contra os opositores de Bolsonaro: o Superior Tribunal Federal, Rodrigo Maia, o escritor e jornalista Glenn Greenwald (The Intercept), o ex-ministro fritado da Saúde, Nelson Mandetta, Sérgio Moro, Lula, os jornalistas, a imprensa.
O que assusta os bolsonaristas na ação de bloqueio do Facebook e a retirada do anonimato é a ameaça a Bolsonaro. São oito ações no TSE, quatro sobre o suposto uso de notícias falsas na campanha de 2018. Junto, o STF apura ataques e ofensas contra os ministros que partiram de arruaceiros, como Sara Giromini e o blogueiro Oswaldo Eustáquio. Também, de aliados e apoiadores do presidente que tiveram equipamentos apreendidos pela Polícia Federal. Se houver comprovação das conexões com o Planalto e compartilhamento de provas, a chapa Bolsonaro-Mourão pode ser cassada.
A ala bolsonarista e olavista está inquieta. No twitter o blogueiro Allan dos Santos reagiu, “acabou, porra, era para parar o conservadorismo e deixar que ele fosse criminalizado?”. Irritados, aventam uma chapa presidencial com o ex-ministro fujão Abraham Weintraub e o vice e atual chanceler Ernesto Araújo.
Mais pérolas de Carluxo: “O velho teatro das tesouras volta a agir mais descarado: os traíras vermelhos com seus porcarias, alinhados com os tucanos e seus gulosinhos biografados! Só observar o movimento das prostitutas das últimas décadas! A roupagem muda, contudo o rabo sempre fica de fora”.
Uma pérola que nos lembra um Brasil que é mistura de Macunaíma com Samba do Crioulo Doido de Stanislaw Ponte Preta. Esta semana o ex-assessor de Carluxo de 2002 a 2017, Luciano Querido, foi nomeado presidente da FUNARTE sem nenhum envolvimento com Cultura além da fidelidade à ideologia e aos saudosistas do Império.
Na mesma linha, o quarto ministro da Educação, Milton Ribeiro, é pastor, reverendo da Igreja Presbiteriana Jardim a Oração em Santos, membro do Conselho Deliberativo do Instituto Presbiteriano Mackenzie, entidade que mantém a Universidade onde foi vice-reitor. Especialista em religião, a escolha recai pelo “apreço à família e aos valores”. Já alegou ser a favor de castigo físico para educar crianças. Os princípios da educação, gestão, implementação e articulação de políticas vão para o espaço. Junto com o fato de que este é um estado laico. Ribeiro é mais uma escolha ideológica, adoçando a ala evangélica mas irritando as outras três: olavista, militar e Centrão.
Crianças estão sem aulas há 100 dias. A pandemia mina a economia, 11 milhões de empregos perdidos, pais retirando os filhos das escolas, 265 mil alunos abandonaram as universidades particulares nos últimos dois meses.
O vírus avança. Enquanto Bolsonaro negava, morreram mais de 65 mil, e não sei por que tanta estranheza ao artigo de Hélio Schwartsman na Folha (8/7) “Por que torço para que Bolsonaro morra”. Concluiu, “A ausência de Bolsonaro significaria que já não teríamos um governante minimizando a epidemia nem sabotando… prestaria na morte o serviço que foi incapaz de ofertar em vida”. O ministro da Justiça, André Mendonça, que já pediu a cabeça do chargista Aroeira e do repórter Ricardo Noblat, requisitou abertura de inquérito na Polícia Federal, e o Secretário Fabio Wajngarten o acusou de fomentar o ódio. Schwartsman reagiu, “Bolsonaro torceu pela morte de Dilma, “infartada ou com câncer”, defendeu o fuzilamento de FHC . Fui bem mais gentil com o presidente do que ele com seus predecessores”.
Desde março o presidente reclama de estarmos “superdimensionando o poder destruidor desse vírus”. Acusou a mídia de propagar fantasia, histeria sobre a gripezinha. “Alguns vão morrer? Lamento. Essa é a vida”. “Enfrentar como homem, porra”. “Tá com medinho de pegar vírus?”. “Eu não sou coveiro, tá?”. “E daí? Lamento. Quer que faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre. É destino de todos”. “Infelizmente, acontece”.
Bolsonaro é um entre os quase 2 milhões de infectados no Brasil.
Perdeu o crédito até para acreditarmos que ele está com o vírus. Outros articulistas já não sabem se foi o vírus que contaminou Bolsonaro ou o contrário, e torcem para que ele viva e responda por seus atos diante do Tribunal Internacional de Haia. É chamado de Capitão Corona lá fora.
Ele também perdeu o crédito diante de executivos brasileiros que reclamam do boicote que sofrem lá fora, e dos Fundos estrangeiros. Eles cobram 14 meses seguidos de desmatamento na Amazônia, incêndios criminosos, grileiros agindo sem fiscalização na gestão indecente do ministro Ricardo Salles. Tarde demais, o vice Mourão admitiu que o combate começou tarde demais. Para baixar o carbono, incluir comunidades locais, valorizar a biodiversidade.
Enquanto deixa de usar R$ 33 milhões repassados ao Fundo Amazônia pela Noruega e Alemanha para fiscalizar crimes na floresta, o Brasil perde U$ 4 bilhões anuais dos Fundos internacionais, e ainda veta fornecimento de água aos indígenas. “Adaptem-se, ou desapareçam”, Bolsonaro desejou aos povos indígenas, enquanto Salles tratava de desmobilizar IBAMA, Funai, ICMBio.
O Brasil não é deles, dos infiltrados, incendiários, autoritários, apócrifos. Estou quase acreditando que o Brasil pode voltar a ser meu, seu, nosso.
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Norma Couri é jornalista.