Desde que Bolsonaro assumiu a presidência da República, em janeiro de 2019, a relação entre a grande imprensa e o ex-capitão do Exército tem sido marcada pela divergência em questões morais (as chamadas “pautas dos costumes”) e a convergência no aspecto econômico (aplicação da agenda neoliberal).
Conforme demonstra seu histórico político, Bolsonaro não é, necessariamente, um nome ligado ao neoliberalismo. Sua proposta em ser “conservador nos costumes, liberal na economia” foi imposta pelas circunstâncias; um aceno ao mercado de que ele poderia ser uma alternativa ao PT, colocar em prática a política de desmonte do Estado brasileiro, entregar nossas riquezas ao capital estrangeiro e retirar direitos básicos do trabalhador.
Apesar de ter aprovado a Reforma da Previdência, em seus dois primeiros anos de mandato, o governo Bolsonaro — marcado pela ambiguidade em tentar conciliar os anseios terraplanistas da extrema direita e as necessidades econômicas da direita tradicional — pouco avançou na agenda neoliberal. Entre os fatores para tal inércia estiveram os constantes atritos entre Executivo e demais poderes da República.
No entanto, na semana passada, dois aliados do Planalto — Arthur Lira e Rodrigo Pacheco – foram eleitos, respectivamente, para as presidências da Câmara e do Senado.
Desse modo, para os principais órgãos de imprensa do país, Jair Bolsonaro, com as duas casas legislativas teoricamente sob seu controle, deve aprovar o mais rápido a Reforma Administrativa, o Pacto Federativo, a Reforma Tributária e as privatizações, entre outras pautas de interesse do grande capital, genericamente denominadas como “reformas”.
O recado midiático a Bolsonaro é algo tipo “como agora você tem plena governabilidade; sem mais delongas, coloque logo em prática as medidas neoliberais para qual nós ajudamos a te eleger”.
Não por acaso, a revista Veja estampou na capa de uma de suas recentes edições: “A segunda chance: depois de dois anos perdendo tempo em confrontos desnecessários, o governo Bolsonaro elege aliados no Congresso e ganha uma nova oportunidade para cumprir a agenda liberal que prometeu na campanha”.
Na Jovem Pan, articulistas comemoraram a paz entre Guedes e Congresso como favorável às reformas. Nessa mesma linha noticiosa, O Estado de S.Paulo destacou como manchete que “Bolsonaro, Pacheco e Lira prometem aprovação de reformas”. Já para editorial da Folha de S.Paulo, é urgente avançar com as reformas e reequilibrar as contas públicas.
“Vitorioso na escolha dos presidentes da Câmara e do Senado, o governo e sua base fortalecida precisam trabalhar com rapidez para compensar 2020, ano que pouco se fez pelas reformas. […] Será mais do que uma irresponsabilidade se Planalto e Congresso ignorarem as necessidades do Brasil e repetirem os erros de 2020. Lira e Pacheco, Guedes e Bolsonaro ainda têm uma oportunidade de acertar. Pode ser a última”, apontou, em tom ameaçador, um editorial de O Globo.
E assim, os principais órgãos de imprensa, que há algumas semanas até ensaiaram um pedido de impeachment, começam a visualizar um novo horizonte com o auspicioso alinhamento entre Congresso e Executivo. Muito provavelmente, as carretas “Fora Bolsonaro” vão perder espaço nos noticiários. O antagonismo entre mídia hegemônica e presidência da República é apenas mise en scène. Mero jogo discursivo. Imprensa e Bolsonaro tem fortes laços, pois ambos atendem aos desejos do deus-mercado.
Folha de S.Paulo, Grupo Globo e Veja, entre outros veículos, somente contribuirão para depor Bolsonaro se o presidente falhar em colocar em prática a política neoliberal de terra arrasada, conforme ocorreu, por exemplo, com Fernando Collor no início dos anos 90.Em última instância, à revelia de divergências pontuais, as famílias Marinho, Frias, Saad, Abravanel, Mesquita, Civita e Macedo, no tocante à aplicação da política neoliberal, estão fechadas com o “mito”. Se preciso for, o apoiam novamente na eleição presidencial do ano que vem.
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Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp.