Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Libertação do traficante pelo ministro do STF ressuscitou os justiceiros na imprensa

(Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Não sei quem inventou. Mas sei que se tornou popular nas redações dos jornais do Brasil nos anos 90 a frase: “A polícia prende e a Justiça solta”. Em ocasiões especiais nos dias atuais, essa frase volta a circular no nosso meio com muito vigor. Na maioria dos conteúdos jornalísticos, a frase não está escrita. Mas está nas entrelinhas. E a usamos para estruturar os nossos textos, vídeos, áudios e comentários. É o caso do traficante André Oliveira Macedo, 43 anos, André do Rap, solto por um habeas corpus dado pelo ministro Marco Aurélio Mello, 74 anos, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele foi solto graças a uma brecha encontrado no Código de Processo Penal pelos advogados do criminoso. O habeas saiu em uma sexta-feira (09/10), no dia seguinte ele foi solto da Penitenciária de Segurança Máxima Presidente Venceslau II e fugiu do país. A brecha na lei está sendo fechada. Vou usar esse episódio para falar com os meus colegas, em especial os repórteres jovens envolvidos na correria da cobertura do dia a dia, sobre os justiceiros nas redações.

Antes de contar a história, eu quero fazer uma observação que considero importante. Ao contrário do que estamos informando ao nosso leitor, o perigo do André do Rap não é só pelo fato dele ser da cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e estar condenado a 25 anos de cadeia pelo tráfico de drogas e outros crimes. Mas por ser de uma nova geração de traficantes que está tornando o Brasil um México, um pais que por ser porta de entrada das drogas no maior mercado consumidor do mundo, os Estados Unidos. Hoje os cartéis mexicanos compram cocaína no atacado da Colômbia para vendem no varejo para as quadrilhas americanos. No caso do Brasil, a cocaína colombiana vai para os países europeus e novas rotas que abastecem o costa leste dos Estados Unidos. E por causa disso os policiais americanos e europeus também estão interessados no André do Rap. Além dos policiais no seus rastro, o foragido também está envolvido em um racha na direção do PCC. A soma disso tudo significa que a vida do André do Rap fora da cadeia não vai ser fácil.

Voltando a contar a história. Os justiceiros nas redações são os jornalistas que vão pelo caminho mais fácil para explicar as coisas para os leitores. Vamos pegar o exemplo do episódio do ministro Marco Aurélio e o traficante André do Rap. A única garantia que o cidadão comum tem de que não será preso pela polícia e pendurado em um pau de arará — instrumento de tortura — é o Código de Processo Penal e a liberdade de imprensa. As leis no Brasil estiveram congeladas de 1964 até 1985, período que durou a Ditadura Militar. Elas só voltaram a vigorar e a se aperfeiçoarem a partir de 1988 com a publicação da constituição. São apenas 32 anos de liberdade. Ainda estamos aprendendo a sermos livres. Portanto encontrar e fechar as brechas nas leis fazem parte do processo de aperfeiçoamento da nossa democracia. Fechar as brechas das leis não pode ser feito de uma maneira autoritária é preciso respeitar o processo democrático. Isso ainda acontece em países como França e os Estados Unidos tem mais de dois séculos de liberdade.

Nos dias atuais, um jornalista não nasce um justiceiro. Ele se torna um na busca da simpatia do leitor que significa prestígio e a garantia do seu emprego. Isso foi usado contra nós, de uma maneira muito inteligente pelos operadores da Operação Lava Jato. O então juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, Curitiba (PR) e o procurador da República Deltan Dallagnol forçaram o limite da lei em busca do título de caçadores de corruptos. Há uma abundância de matéria sobre o assunto publicado pelo site The Intercept Brasil. Não sou ingênuo em acreditar que nós jornalistas havíamos aprendido a lição com a Lava Jato que defender quem ultrapassa os limites da lei em nome de uma causa pode nos tornar cúmplices de uma situação, como a que vivemos hoje com o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), um governo que ninguém sabe no irá dar. Mas digo que a única maneira de nossa profissão sobreviver é nos tornarmos relevantes para os nossos leitores. E isso significa termos a capacidade de distinguir os interesses das grandes corporações de comunicação e das forças políticas que disputam o poder da necessidade que o nosso leitor tem de receber uma informação correta. A única arma que ele tem para sobreviver no meio dessa confusão é organizar a vida da sua família é a informação correta. Se ele gosta ou não gosta é problema dele. Nós repórteres não estamos em um concurso de simpatia. É por aí colegas.

Publicado originalmente em Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é jornalista.