Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Os midiáticos contra o anti-Odorico Paraguassú

A mídia bate em Fernando Haddad e em dez meses serão três os midiáticos que vão enfrentá-lo cara a cara para disputar a prefeitura de São Paulo. Serão provavelmente três craques de programas de forte audiência na televisão, João Dória pelo PSDB, José Luis Datena pelo PP e Celso Russomano pelo PRB. O PT não pode perder São Paulo, a jóia da Coroa do poder, alavanca para o sucesso do partido nas eleições presidenciais de 2018. Massacrado pelos mensalões e pela maior corrupção do planeta que, segundo o jornal britânico Financial Times vem somada a uma boa dose de arrogância e incompetência, o próprio PT ainda tem candidatos de sobra dispostos a driblar Haddad.

Sem falar em Marina Silva, que briga na mesma área ambiental do prefeito, e Marta Suplicy, que busca um partido para esgrimir com o antigo companheiro que a derrubou.

Haddad está tranquilo. “Já pensou se eu ganho?”, brinca

Ele reclama que a imprensa o persegue, que o governo não libera verbas prometidas, que certa ala de seu partido gostaria de vê-lo pelas costas e bombardeia seus projetos com “fogo amigo”. Aos 52 anos, formado em Direito, Economia e Filosofia, Haddad é o político anti-Odorico Paraguassú destoando da maioria no panorama brasileiro. Para dificultar seu embate com a mídia diária e os três midiáticos concorrentes à Prefeitura, ele ainda cortou boa parte da verba publicitária direcionando o máximo para seus projetos, e detesta alardear seus feitos. Mas não arreda pé deles. Político incomum, desbaratou a máfia dos fiscais do ISS da Prefeitura e com isso arrecadou R$ 200 milhões. Seu plano pode ser quixotesco e ainda mal aplicado, mas digno de respeito.

Querer educar o motorista paulista reduzindo a velocidade máxima para 50km por hora em todas as ruas da cidade (“em Londres é 32km”, justifica-se) bem como cortar as vias mais conglomeradas do planeta com corredores exclusivos para ônibus pode ser chocante para o habitante de uma cidade hiper-acelerada. São Paulo não pode parar e por isso mesmo está morrendo nas próprias vias de hipertensão em engarrafamentos de quatro horas, por atropelamento ou doença dos pulmões.

Construir 400 km de ciclovias nas avenidas movimentadíssimas, como a Paulista, é quase como querer implantar uma Copenhague em São Paulo que tem 10 vezes mais habitantes, com espaço suficiente para sete Copenhagues. As ruas de São Paulo teriam levíssimas bicicletas no lugar da maioria dos 5.400 milhões de carros. Um projeto visionário a curto prazo. Mas possível em algumas gerações até porque a opção é o cemitério.

O prefeito quer humanizar a cidade que a maioria de seus habitantes considera perdida para caminhos alternativos – ao contrário do que o carioca pretende para o Rio de Janeiro. Mas ninguém vai impedí-lo, avisou esta semana numa entrevista à imprensa estrangeira, recheada de holandeses e alemães que compartilham a filosofia Verde. O problema vai ser adaptar a cabeça dos executivos que circulam no principal centro financeiro, corporativo e mercantil do continente e produzem 12% do PIB brasileiro.

Este prefeito pertence a um partido que visa o social acima de tudo. Haddad saíu da linha, preza o sócio-ambiental.

“As pessoas deveriam se chocar quando vêem um ônibus circulando pelas vias erradas”, diz, “ mas já se acostumaram. As ruas estão mais limpas, mas será que as pessoas notam?”.

Haddad está tranquilo. “Já pensou se eu ganho as eleições?”, brinca. Convicto do que quer e do cumprimento das promessas que fez. Seu principal detonador, o líder do PSDB na Câmara Municipal, Andrea Matarazzo, declarou ao Valor (24/07/2015) que Haddad até agora “só conseguiu pintar a ciclovia de vermelho e agora fica caçando ciclistas para usarem”

Matarazzo pode ter razão, São Paulo não tem beira-mar como o Rio e o clima frio oito meses por ano não convida ao ciclismo. Ele reconhece que o asfalto da cidade não é de boa qualidade e também que falta muito para a cidade chegar ao nível socioambiental da Escandinávia em educação, transporte público, saúde. Até em inspeção veicular que ficou pelo meio. A cracolândia foi atacada mas falta muito. Só que tínhamos que começar por algum lado para frear a locomotiva que solta fumaça mortífera nos seus cidadãos há algumas décadas. O resto é o problema do Brasil inteiro, que em São Paulo, por ser uma megalópole, ganha lente de aumento.

“O Brasil reagiu até o ao cinto de segurança, e já fez a revolta da vacina em 1916…. Claro, a elite não sabe se quer que dê certo, as pessoas não sabem ao certo o que querem então é melhor fazer para não perder a oportunidade. E se eu ligasse para cotação de pesquisas iria governar pelo Datafolha”

Haddad tem coragem e aposta no que acredita, duas qualidades que raramente vêm juntas no mesmo político. É tão difícil o que ele propõe? É. Suas vias vermelhas transtornaram o cidadão? Transtornaram. Os ciclistas ainda não ocupara as vias, até por medo da fúria dos motoristas? Não. Mas pode dar certo talvez muito depois de Haddad, o que torna a atitude do prefeito mais inusitada, pensar na cidade e no bem do cidadão em primeiro lugar.

Não é isso que todo mundo quer para um prefeito da sua cidade?

Tudo bem, a conta de luz aumentou muito mas o prefeito pelo menos trocou a iluminação pública para as Leds econômicas. O cidadão poderia ter pago a conta dos novos projetos com o aumento do IPTU e das tarifas de ônibus que foram ( graças a Deus e ao projeto eleitoral do governo) vetados. E Haddad (graças a Deus e ao projeto eleitoral do governo) ganhou uma redução da dívida de R$ 65 para R$ 28 bilhões a serem pagos em 30 anos.

Mas este político aposta em cultura, aumentou em 80% o orçamento de São Paulo para a Cultura. Combate o racismo dentro da Prefeitura e melhorou o transporte público e wi-fi nas esquecidas reservas indígenas. “Infelizmente os caciques pediram para tirar o wi-fi porque a garotada só queria ver pornografia…”, ri.

Reclama novamente por ser bombardeado pela maioria dos meios de comunicação mas segue em frente. “Enfrentamos com dignidade, o tempo vai provar que eu estava certo. Política é fazer coisas que as pessoas ainda não sabem que querem, a rejeição das ruas às políticas de mobilidade e inclusão não é uma questão de educação ou comunicação, é uma questão política”

Este prefeito, candidato à prefeitura de São Paulo no ano que vem, professor universitário, conseguirá se manter no cargo guiado por políticas alternativas e inovadoras, principalmente sem demagogia? Ele está confiante, “não jogo para perder”. Quanto à demagogia, não vai ceder, “demagogia é uma forma de corrupção pelo poder”. Para a imprensa, vai ser estimulante cobrir a disputa.