Junho de 2013 ainda é uma incógnita para especialistas que lhe tentaram decifrar, daquele momento fervoroso em que as ruas pegaram fogo, muita água por debaixo da ponte se passou. Dali surgiram mascarados anarquistas quebrando vidraças de bancos, perseguição a militantes de partidos de esquerda e, das profundezas uma direita cheirando a enxofre também renasceu. Não podemos nos esquecer, dali implodiu o descontentamento da população com os meios de comunicação e a chamada: “grande imprensa”.
Tanto na ala verde e amarela direitista, quanto na mais encarnada esquerda os veículos hegemônicos de mídia eram o alvo, carros incendiados e jornalistas sofrendo assédio moral davam a tônica das coberturas. Profissionais de empresas como a Rede Globo de Televisão tiveram que cobrir os protestos do alto em helicópteros ou à paisana para não serem identificados.
As redes sociais, como quase sempre acontece com as novidades do mundo da tecnologia eram festejadas como os novos arautos da liberdade, a partir daquele momento, elas proporcionariam o que nem mesmo os antigos blogs haviam conseguido: dar voz ao povo sufocado pelos antigos canais corporativos de jornalismo de uma maneira mais dinâmica descontraída.
Milhares de páginas no Facebook acompanhavam os fatos e espalhavam seus memes, o que parecia uma revolta pelo aumento da tarifa do transporte público, ganhou outros contornos e se tornou um verdadeiro emaranhado de pautas e meros desejos desconexos. O que começou numa proposta horizontal de um pequeno grupo de universitários de extrema-esquerda do Movimento Passe Livre (MPL), se transformou numa imensa oposição antipetista banal.
Nesse mesmo período, muitas páginas cresceram nessa onda e a extrema direita digital saiu da caserna trazendo em seu bojo um até então quase desconhecido Jair Bolsonaro, personagem que vociferava solitariamente na Câmara dos Deputados do Rio de janeiro em favor da ditadura militar há quase 30 anos.
O ano já era 2014 e uma forte polarização já havia se estabelecido, com auxílio das eleições que ocorreram no fim do ano anterior, os embates se tornaram cada vez mais violentos com a vitória nas urnas de Dilma Rousseff, a radicalização contra as instituições e contra a classe política se tornou cada vez maior, tanto no mundo online quanto off-line. Além do já conhecido apoio da imprensa e do colunismo boçal de alguns.
Enquanto isso pululavam páginas e memes cômicos em defesa do então deputado Jair Bolsonaro, suas declarações controversas agradavam uma parcela da população que até aquele instante não se sentia representada por ninguém, mas viu em sua figura um poderoso guardião de ideias já sepultadas há algum tempo.
Logo uma de suas páginas apoiadoras estampou em um meme seu rosto num corpo onde lhe cabia uma faixa presidencial, não demorou nada até a ideia “colar”. Somente alguém de pulso forte poderia “salvar” o Brasil da baderna petista. Até um apelido nasceu nas redes: “mito”, o mesmo que ressoou por parte da multidão no discurso da posse dia 01/01.
Das micagens, molequices e notícias falsas gestadas em milhares de páginas obscuras e obtusas do Facebook, deu-se, até agora, um dos maiores fenômenos eleitorais do mundo. Talvez, perdendo apenas para o “amicíssimo” Donald Trump nos Estados Unidos.
Um ponto necessário a ser salientado é a presença dos chamados “Bots”, robôs que influenciam as redes por meio de inteligência artificial e foram amplamente usados em ambas candidaturas, tanto Trump quanto Bolsonaro se beneficiaram de tais artifícios numa guerra suja de desinformação.
Isso explica em parte porque o fenômeno Bolsonaro abraçou principalmente jovens dentro das redes sociais, criou uma geração “saudosa” da ditadura militar mesmo tendo nascido 30 anos após seu fim. Digo em parte porque é imprescindível analisar juntamente a essas questões outros fenômenos como a crise moral dos meios tradicionais de comunicação, o Capitalismo contemporâneo e os erros políticos de um partido autodenominado progressista.
Em grande medida, o que era tratado como galhofa para contrapor o discurso da esquerda tradicional se tornou verdade. O meme que tempos atrás ilustrava um Bolsonaro com faixa presidencial e parecia mera provocação de um grupo de lunáticos dentro do Facebook, se tornou uma dolorida constatação que se propagará por longos quatro anos.
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Ronaldo Lages é jornalista.