Um vídeo bem produzido, coisa de profissionais, fez uma convocação nitidamente golpista, estimulando o presidente Jair Bolsonaro a submeter o Congresso Nacional à sua vontade com o apoio da população.
O beneficiário, em princípio, deu uma aprovação discreta.
Houve uma enxurrada de posicionamentos importantes em contrário.
Ele, então, recuou, orientando seus ministros a não dar quilometragem à manifestação de repúdio ao Legislativo marcada para o próximo dia 15.
Não se conhecem providências para identificar e processar os aloprados que implicitamente pregam uma nova ditadura.
Uma hipótese óbvia é de se tratar tão somente de ultradireitistas insignificantes e de Bolsonaro ter divulgado o vídeo porque, como todos sabemos, não tem a mais remota noção da liturgia e dos deveres do cargo que ocupa.
Mas não podemos descartar a possibilidade de que seja um segundo balão de ensaio para testar a resistência das instituições, algo muito mais grave do que uma mera molecagem de bolsominions se metendo a bestas.
Segundo, sim, porque algo semelhante ocorreu em junho, quando circulou nas redes sociais um vídeo de 1’05” (clique aqui para abrir) cujo locutor se identificou como Beto Fontes, de Londrina (PR).
Em seu perfil no YouTube, apresentava-se como “jornalista investigativo, analista de mídias sociais, ativista e coaching”. E foi ele quem fez essa convocação para uma versão brasileira da Marcha sobre Roma de 1922, que marcou a conquista do poder por parte dos fascistas italianos:
“Este áudio é curtíssimo para que vocês possam compartilhar em todas as redes.
Dia 30/06/2019 voltaremos às ruas contra o crime político organizado.
A pauta será única e objetiva, ou seja, o tiro letal contra a corrupção que vem atravancando um governo que nós elegemos democraticamente.
Todo poder emana do povo, artigo 1º, é constitucional. E o povo irá às ruas ordenado para que o presidente Jair Bolsonaro acione o artigo 142 da Constituição Federal e faça uma faxina constitucional.
[Que] Juízes e políticos corruptos, inclusive jornalistas criminosos, [sejam] julgados e condenados sem redução de pena.
Quem manda no Brasil somos nós e o governo que elegemos democraticamente está precisando do nosso apoio.
E a pauta é objetiva e única: Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Daquela vez, também Bolsonaro aconselhou os figurões do seu governo a se manter alheios à manifestação, não a repercutindo.
A semelhança dos dois episódios é motivo mais do que suficiente para o Ministério da Justiça desvendar sua origem e apurar a existência ou não de envolvimento dos autores dos vídeos e dos organizadores das manifestações com os altos escalões.
Mas será que Sergio Moro vai mesmo fazer a lição de casa? Duvido.
Quanto à imprensa, que nada viu de suspeito em junho de 2019, tem uma segunda chance de cumprir direito o seu papel. Ou teremos de esperar pelo terceiro balão de ensaio?
Publicado originalmente no blog Náufrago da Utopia.
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Celso Lungaretti é jornalista, escritor e editor do blog Náufrago da Utopia.