Na edição 1078 do Observatório da Imprensa, o estimado jornalista Rui Martins posiciona-se sobre outro potencial golpe de estado, 56 anos depois do golpe militar de 1964. Faz menção à marcha pró-governo, estimulada para o dia 15 de março de 2020, e descreve os tempos passados com enorme maestria. Houve manifestação, sim – contra as próprias recomendações do governo, diante do covid-19. Entretanto, nada que se possa criar alarme pelo alerta criado no texto indicado.
Desestabilizar as instituições republicanas sem criar violência ou conflito direto
É comum, na comunicação perversa do governo, a manifestação de expressões ou dizeres ideológicos sem que sejam esclarecidas as reais intenções para a sociedade. Na comunicação perversa, nunca se criam diálogos sinceros. Expressões com sarcasmo e ironia irritam porque a comunicação perversa é tão inescrupulosa que faz com que a sociedade pense, afinal, que a coisa é séria, ou que se trata de apenas alguma coisa que se deve aceitar pela conjuntura atual. A comunicação perversa anula o pensamento crítico e nos faz perder o sentido de identidade coletiva.
Excertos do governo revelam a comunicação perversa. A ironia em dizer que “seria preciso fechar os órgãos do Judiciário e do Legislativo” (sic) demonstra o modus operandi da comunicação oficial. Seria a declaração séria ou deveríamos aceitá-la perdendo o sentido de identidade coletiva? Eis a questão.
A ironia e o sarcasmo são duas armas que a comunicação governamental atual utiliza para manejar a identidade coletiva da sociedade. A consequência é que acabamos por consentir que a comunicação governamental seja aquela de que todos devemos desconfiar. Porém, para potenciais cenários futuros – ditos – autoritários, daquilo que é expresso por ironia, chacota ou sarcasmo, há uma longa distância da conjuntura atual do século XXI.
Estabilidade republicana atual – inexistência de volta ao passado
Atualmente, em virtude dos meios de comunicação e da propagação de possíveis ofensas ao Estado de Direito, não haveria, modus in rebus, a repetição de um cenário passado. Pelo que fomos salvos. Não seriam evangélicos, ou marchas pró-governo, as causas que poderiam gerar um futuro sinistro para a sociedade brasileira, em repetição histórica de acontecimentos passados. É injusto culpar evangélicos ou mídias favoritas do atual governo para alertar a sociedade para um possível golpe de Estado. Não valeria a conclusão de Pirandello que “assim é, se lhe parece”.
A sociedade brasileira encontra-se polarizada; os meios de comunicação, idem. Todavia, independentemente de parte da mídia, como se diz, posicionar-se contra ou a favor do atual governo, não se pode esquecer da sociedade, que se traduz em mais do que a soma dos seus indivíduos contados – premissa básica desde a obra sociológica de Durkheim.
A comunicação perversa do governo atual, repleta de ironias, chacotas e insinuações, não é capaz, salvo melhor juízo, de implementar um golpe de Estado. Salvo melhor juízo, a eleição foi gerada contra um modelo anticorrupção. Se a pretensão dos eleitores está sendo satisfeita, trata-se de análise complexa e recheada de interpretações possíveis.
O fato de a história se repetir tem a ver com a crença em uma projeção negativa experimentada por um determinado interlocutor. A conjuntura é diferente. Sequer poderíamos, nos dias atuais, dizer quem é progressista ou liberal; ou melhor, escrever sobre “direita e esquerda”. Os conceitos mudaram. E este Brasil é outro, jamais visto anteriormente. O mundo é outro. Não se permitiriam golpes viabilizados via chacota ou comunicação governamental perversa. São muitos os guardiões do Estado de Direito.
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Eduardo Ribeiro Toledo é professor de Direito com mestrado pela Universidade de Miami (EUA). Escritor, poeta e colaborador do site Observatório da Imprensa.