Todos os dias, vemos nos noticiários e nas redes sociais falas, frases e gestos agressivos e indecorosos por parte do presidente do Brasil direcionados a pessoas públicas, instituições, jornalistas, opositores políticos e até mesmo àqueles que são parte de sua própria gestão.
A situação que vivemos é assustadora – um sujeito desprovido de qualquer civilidade, bom senso e do mínimo de educação, sempre à procura de um inimigo para perseguir, que elogia ditaduras sanguinárias, seus assassinos e torturadores e possui aversão aos direitos humanos, ocupa o cargo político mais importante do país. Foi um legislador que, em quase três décadas, pouco contribuiu com ideias e projetos no Parlamento nacional; no entanto, em 2018 chegou ao poder via voto popular, escolhido por dezenas de milhões de pessoas para comandar o Brasil.
Não se pretende dissecar aqui os diversos fatores que o levaram ao poder, embora se reconheça que seja decorrente de algumas condições, como a forte rejeição lulopetista, um desejo por mudança, um anseio – duvidoso – pelo combate implacável à corrupção, a crise econômica e uma campanha maciça e bem orquestrada nas redes sociais pela disseminação em massa de notícias falsas em favor de Jair Bolsonaro.
O “medo excita o mal”, já escreveu o escritor espanhol Rafael Chirbes¹; o medo, ao que tudo indica, fomentou o ódio, o grande vencedor das eleições de 2018. As famosas fake news estiveram no centro da questão; tinham e ainda têm por objetivo atiçar as emoções das massas; seus conteúdos, por mais absurdos que possam parecer, e são, atingem as crenças e as convicções que muitos possuem, se aproveitam da ingenuidade, do desconhecimento e do preconceito de grupos conservadores (religiosos ou não) e reacionários, tocando em pontos sensíveis de suas existências; o alvo foi e ainda é o pensamento progressista, seus expoentes e suas pautas.
Dessa forma, as fake news digitais produzem ideologias e crenças derivadas de um sistema discursivo, ubíquo na vida social da população brasileira, encontrado em toda parte em virtude do fácil acesso às tecnologias². Nos aplicativos que trocam mensagens, há grande quantidade de textos, vídeos, imagens e notícias de blogs, portais e jornais.
Alguns exemplos de fake news são emblemáticos, como a informação de que o ex-deputado federal Jean Wyllys fazia apologia ao casamento de meninas com menos de 10 anos, incentivando a pedofilia; também no caso do filho do ex-presidente Lula, acusado de ser dono da Friboi e proprietário de uma Ferrari de ouro; ou, ainda, a difamatória “notícia” que a ex-vereadora Marielle Franco, assassinada brutalmente em 2018, possuía estreitas ligações com o tráfico de drogas. A informação de que as urnas eletrônicas nas eleições de 2018 foram fraudadas foi outra “notícia” amplamente divulgada por grupos de extrema-direita. Todos os boatos tiveram imenso alcance, sendo acompanhados de textos difamatórios e montagens grotescas que, por incrível que pareça, ainda povoam o imaginário de muita gente.
Como asseverou Christian Dunker³ ao analisar as massas digitais, há uma impossibilidade de se fazer escutar por argumentos ou fatos na atual vida social brasileira; a batalha discursiva é encharcada pelo uso de notícias falsas e dogmas que fragmentaram ou mesmo romperam laços e dividiram grupos.
Pelo exposto, é correto afirmar que a divulgação de notícias falsas não morreu com o fim das eleições; elas são o modus operandi do governo Bolsonaro e há fortes indícios da existência de um denominado “gabinete do ódio” em Brasília, uma milícia virtual que atua de modo a disseminar não somente informações difamatórias – por meio de disparos com perfis falsos nas redes – contra desafetos, ex-aliados, ministros do STF, deputados, artistas etc., mas também a divulgar notícias no mínimo duvidosas e/ou maquiadas em favor das realizações do governo vigente. À frente desse lamaçal de mentiras estariam os filhos do presidente, blogueiros e empresários, estes últimos financiadores de disparos nas redes sociais.
O presidente Bolsonaro, desde que assumiu o cargo, tem dado declarações mentirosas e imprecisas, demonstrado peculiar desconhecimento sobre diversos temas e assuntos, incluindo uma absoluta repulsa pelo conhecimento científico, como no caso das queimadas na Amazônia, do derramamento de óleo no litoral brasileiro e, mais recentemente, sobre a pandemia da covid-19.
Em recente texto, Michael Löwy⁴, alertou sobre essa lógica “negacionista” de Bolsonaro em relação à pandemia, caracterizando-a como neofascista, um fenômeno contemporâneo denominado por Umberto Eco⁵ nos anos 1990 de Ur-fascismo, de caráter conservador, que cultua as tradições, recusa a modernidade e possui forte apelo às massas frustradas, agora aglutinadas nas redes sociais.
O neofascismo bolsonarista é adepto do neoliberalismo, assinalado por Perry Anderson⁶ como uma ampla e profunda vitória ideológica conservadora e um desastre econômico. Não por acaso, cresce no Brasil o medo da violência e do Outro, a ânsia por segurança, com uma consequente fuga para a vida privada e para os enclaves fortificados, à medida que grupos evangélicos se expandem também, capturados pelo discurso sedutor de igrejas que prometem aos fiéis uma vida de prosperidade e com bens materiais. Aliadas a isso, as políticas econômicas de austeridade, a redução dos orçamentos públicos, as privatizações, a manutenção e a expansão de privilégios ao sistema financeiro estão na ordem do dia na gestão bolsonarista e a justificativa para tais posicionamentos é a crise econômica, que precisa ser combatida, exigindo quase sempre sacrifícios da população mais empobrecida e assalariada.
Nem mesmo as milhares de mortes causadas pela covid-19 no Brasil e no mundo, que mostram como o Estado e os serviços públicos têm sido relevantes no combate à doença, sensibilizaram os integrantes do Executivo nacional, que, sob os auspícios do ministro Paulo Guedes, já vislumbram impor medidas econômicas que atingirão em cheio trabalhadores, servidores públicos e os milhões de autônomos e desempregados no pós-pandemia.
Somado a tudo isso, Bolsonaro usa o cargo para proteger os filhos, envolvidos em casos de corrupção como lavagem de dinheiro e peculato. Não à toa, tem interferido no trabalho da Polícia Federal, que possui investigações adiantadas sobre crimes relacionados às fake news, com possível envolvimento de sua prole, tendo seu tácito consentimento. Além disso, nomeou um Procurador-Geral fora da lista tríplice, que tem agido de forma a arquivar diversas denúncias contra ele.
O presidente demonstra imaturidade política para o cargo, é incapaz de dialogar com setores diversos, mente com frequência, não respeita quem dele discorda, ataca jornalistas, agride a democracia ao incentivar grupos que defendem o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, vive à procura de um inimigo para confrontar, acirra os ânimos, reforça e aprofunda a polarização política e desdenha de uma doença mortal que já ceifou a vida de milhares de brasileiros.
Bolsonaro e seu grupo trabalham incansavelmente para sabotar o Brasil; indígenas, quilombolas, camponeses, marginalizados das metrópoles, biomas como a Floresta Amazônica e o Cerrado, empresas públicas estratégicas e lucrativas, recursos minerais valiosos, eventos artísticos e culturais, estudantes e professores de escolas e universidades públicas são o alvo, estão sob constante ameaça, pois o que importa para os sabotadores no poder do Brasil são os interesses dos Estados Unidos, do mercado financeiro, do agronegócio e das transnacionais.
Mas toda sabotagem exige grandes riscos, com perdas e danos, principalmente quando existem estúpidos e egocêntricos por trás dela.
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NOTAS
¹ CHIRBES, Rafael. Crematório. Barcelona: Anagrama, narrativas hispânicas, 2007. 424p.
² O número de smartphones no Brasil é maior que a própria população, existem 230 milhões deles e 210 milhões de habitantes.
³ DUNKER, Christian. Psicologia das massas digitais e análise do sujeito democrático. In: ABRANCHES, Sérgio et al. Democracia em Risco? 22 ensaios sobre o Brasil de hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 116-135.
⁴ LÖWY, Michael. O Neofascista Bolsonaro diante da pandemia. In: Blog da Boitempo.
⁵ ECO, Umberto. Fascismo Eterno. Rio de Janeiro: Record, 2018. 63p.
⁶ ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, E.; GENTILI, P. (Orgs). O pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro, 1995. p. 9-23.
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Luiz Eduardo Neves dos Santos é geógrafo, mestre em Economia (UFMA), doutorando em Geografia (UFC) e professor adjunto do curso de licenciatura em Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).