Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A política quântica de Bolsonaro

(Foto: Divulgação)

“Uma mentira pode dar a volta ao mundo no mesmo tempo que a verdade leva para calçar seus sapatos.”  Mark Twain

Alvo de críticas advindas dos mais diversos segmentos após participar de um ato realizado em frente a um quartel do Exército em Brasília, com a presença de um grupo que defende a intervenção militar no país, o presidente Jair Bolsonaro, ao sair da residência oficial no Palácio da Alvorada na segunda-feira, 20/4, disse que é contra o fim da democracia. “No que depender do presidente, democracia e liberdade acima de tudo”. Contradição? Si, si, pero no mucho! Ou, sim, sim, mas não muito!

O italiano Giuliano Da Empoli, diretor do grupo de pesquisa Volta e autor do livro Os engenheiros do caos (lançado no Brasil no final de 2019), diz que se, no passado, o jogo político consistia em divulgar uma mensagem que unificava, hoje se trata de desunir de uma maneira mais explosiva. Segundo ele, para conquistar uma maioria, não se deve mais convergir para o centro, mas adicionar os extremos.

Conselheiro político do ex-primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, e colunista do diário financeiro Il Sole 24 Ore, Giuliano afirma que vivemos em uma era da política quântica, onde a versão do mundo que cada um de nós vê é literalmente invisível aos olhos de outros. Por conta disso, talvez não tenha sido estranho aos ouvidos e olhos atônitos que rodeavam o presidente quando ele parou para falar com jornalistas. Um dos seus apoiadores gritou uma frase a favor do fechamento do Supremo e foi advertido por Bolsonaro: “Sem essa conversa de fechar. Aqui não tem que fechar nada, dá licença aí. Aqui é democracia, aqui é respeito à Constituição brasileira. E aqui é minha casa, é a tua casa. Então, peço por favor que não se fale isso aqui. Supremo aberto, transparente. Congresso aberto, transparente”. Bingo! A política quântica é plena de paradoxos.

Os exemplos citados por Giuliano em sua obra reforçam isso: bilionários se tornam porta- estandartes da cólera dos desvalidos; os responsáveis por decisões públicas fazem da ignorância uma bandeira; ministros contestam os dados de sua própria administração. Qualquer semelhança com a realidade brasileira não é mera coincidência.

A realidade objetiva não existe mais?

As se inspirar nas descobertas de Max Planck e de outros fundadores da física quântica, Giuliano aponta que elas vieram subverter a visão plácida da realidade. Salpicada de paradoxos e de fenômenos que desafiam as leis da racionalidade científica, a física quântica nos revela um mundo no qual nada é estável e onde uma realidade objetiva não pode existir.
Não à toa, ele destaca no livro, entre outros dados, aquele em que uma falsa informação tem, em média, 70% a mais de probabilidade de ser compartilhada na internet, pois é, geralmente, mais original que a verdadeira, segundo os entrevistados. O percentual faz parte de uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) revelando que, nas redes sociais, a verdade consome seis vezes mais tempo que uma fake news para atingir 1.500 pessoas.

Baseado em exemplos, inclusive brasileiros, de doenças (como a zika), supostos influenciadores (como Nando Moura e Carlos Jordy) e movimentos apoiadores de Bolsonaro (como o MBL), Giuliano diz que os políticos contemporâneos usam estratégias desenhadas por especialistas de marketing e análise de big data para dirigir mensagens a indivíduos e grupos isolados de acordo com opiniões pré-sondadas e idiossincrasias registradas nas redes sociais. Informações que, em lugar da moderação, são radicais, explorando medos e ódios, e constantemente testadas pelos likes centrados no engajamento. São com frequência contraditórias? Sim, o que muitas vezes não importa, uma vez que esses grupos-bolhas não se comunicam entre si, apenas convergindo em momentos oportunos.

Fixar a própria agenda

Em entrevista ao Nexo Jornal em dezembro de 2019, Giuliano disse que o Brasil é, hoje, um dos laboratórios dessa nova forma de fazer política. Segundo ele, Bolsonaro bagunçou valores tradicionais da política.

Não é difícil perceber, a partir de um exemplo real ocorrido recentemente. Naquele domingo, em cima da caçamba de uma caminhonete, ao se dirigir à aglomeração de apoiadores pró-intervenção militar no Brasil, ele disse em alto e bom som uma sequência de frases de efeito em que se destacaram: “acabou a época da patifaria”, “agora é o povo no poder”, “não queremos negociar nada”, “nós queremos ação pelo Brasil”.

Giuliano ressalta que Bolsonaro, assim como Trump e Salvini (de quem foi consultor), faz uso de fake news e provocação para, em primeiro lugar, poder fixar a própria agenda. E como isso funciona?, indaga a si mesmo e responde quase ao mesmo tempo: “Mesmo para corrigi-lo, mesmo para se indignar, nós somos forçados a falar daquilo que ele quer que nós falemos. Isso é fixar uma agenda”. Assim, não importa se o que é feito são ameaças, insultos, mensagens racistas, mentiras deliberadas ou supostos complôs. Ou, como destaca Giuliano, esse mundo de Donald Trump, Boris Johnson, Matteo Salvini e Jair Bolsonaro cada dia traz sua própria gafe, sua própria polêmica, seu próprio golpe brilhante.

Vociferar hoje para exigir respeito às velhas regras do jogo da política newtoniana, garante ele, já não serve para muita coisa. Diante do nível institucionalizado que essa gama de ações alcançou, Giuliano acredita que um possível caminho de transformação possa ser inspirado pelo pensamento de um reformador como John Maynard Keynes – que, passadas a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Soviética, se dirigia a jovens liberais reunidos em sua Summer School. Ele dizia que, para reconstruir e alcançar algo de bom, é preciso parecer ao mesmo tempo herético, inoportuno e desobediente aos olhos dos que os precederam. Ou seja, para superar as condições adversas do populismo vigente, os democratas, se quiserem defender valores e ideias na era da política quântica, deverão se apropriar das formas e conteúdos da política vigente nos próximos anos e tentar reinventá-los.

BIBLIOGRAFIA

CHARLEAUX, João Paulo. O caos da extrema-direita: os engenheiros do caos. Nexo Jornal, 04 de dez de 2019.
EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2019.

***

Boanerges Balbino Lopes é jornalista e professor titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Autor de livros, doutor e mestre em Comunicação pela UFRJ e Umesp.