Não estou sendo desrespeitoso com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Estou apenas dizendo o óbvio. Toda vez que ele abre a boca, cria um conflito. Essa marca registrada do presidente lembrou-me quando ouvi pela primeira vez a expressão “boca de conflito”. Foi nos tempos que os repórteres faziam longas viagens pela vastidão do Brasil, acompanhados de fotógrafo e motorista, em busca de histórias para contar. Nessas jornadas se estabelecia uma convivência familiar entre a equipe.
Da harmonia dessa parceria dependia o sucesso da reportagem. Então, sempre que alguém puxava um assunto com o objetivo de provocar confusão, ele ouvia: “boca de conflito”. Não sei quem cunhou o dito. Sei que no tempo que trabalhei em redação, de 1979 a 2014, eu a repeti centenas de vezes. Os tempos mudaram e muito. Mas o “boca de conflito” continua criando confusões que agora são ampliadas pela imprensa tradicional e as redes sociais.
Bolsonaro não se tornou “boca de conflito” quando foi eleito presidente. Ele sempre o foi nos seus 30 e poucos anos de carreira legislativa, como vereador no Rio de Janeiro e deputado federal. E graças aos seus pronunciamentos exóticos e provocadores ganhou espaço nas manchetes dos noticiários — a história é conhecida e está na internet. Esse estilo de fazer política não é exclusividade de Bolsonaro. Ele nasceu e foi organizado nos anos 30, na Alemanha, por Joseph Goebbels, ministro da propaganda do ditador nazista Adolf Hitler. E foi atualizado e aperfeiçoado por Steve Bannon e um seleto grupo de pesquisadores da comunicação social na campanha eleitoral de 2016 do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano). Trump tentou a reeleição e foi derrotado por Joe Biden (democrata). Ele é ídolo de Bolsonaro. E foi derrotado pela sua própria “boca de conflito”, principalmente na questão da emergência sanitária criada pela Covid-19, que já matou mais de 250 mil americanos, quase cinco vezes mais que a Guerra do Vietnã, um dos mais sangrentos conflitos que as tropas dos Estados Unidos participaram na década de 60.
O presidente do Brasil vai completar dois anos do seu mandato em janeiro de 2021. Mas, como faz desde primeira semana do governo, continua provocando confusões com suas declarações. Ele não é só negacionista em relação à Covid-19, que já matou mais de 150 mil brasileiros. Ele boicota qualquer iniciativa que seja tomada pelos seus ministros, por governadores e prefeitos para proteger a população. Há duas semanas comemorou a interrupção da produção da vacina chinesa, que está sendo feita em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo. As pesquisas foram retomadas. Mas a comemoração do presidente virou notícia ao redor do mundo. Na quinta-feira, ele foi publicamente grosseiro com o seu vice, Hamilton Mourão, que é responsável pela questão da Floresta Amazônica.
Bolsonaro tomou conhecimento de um estudo sobre punições aos grileiros de terras e madeireiros clandestinos que agem na região, que foi feito pelo pessoal de Mourão e começou a circular entre os ministros — há matéria na internet. A respeito da devastação da Amazônia, Biden advertiu o Brasil que, caso a destruição da floresta não pare, o país poderá sofrer sanções econômicas. Sabem o que isso significa? A quebra de um dos setores mais importantes da economia nacional, o agronegócio, que manda grãos, carnes (suína, frango e gado) e outros produtos agrícolas para os quatro cantos do mundo. Um dos setores do agronegócio, os produtores de soja, apoiaram, trabalharam e investiram o seu dinheiro na campanha de Bolsonaro. O presidente respondeu a Biden ameaçando ir à guerra. Uma bravata que constrangeu as Forças Armadas.
Uma leitura atenta dos conteúdos jornalísticos que temos produzido e publicado nos jornais (papel e site), TVs, rádios e outras plataformas de comunicação mostra que a imprensa cansou de ouvir absurdos do presidente. Hoje há certeza entre nós jornalistas que tudo que ele faz é para ganhar as manchetes dos noticiários. Devido a esse comportamento do presidente, o número de pessoas que votaram nele e se arrependeram cresce todos os dias. O governo é um caos. Os serviços públicos não funcionam. Não existe plano do ministro da Economia Paulo Guedes para a complexidade do período pós-pandemia que vem por aí. A presença de uma tropa de mais de 6 mil militares da ativa, reserva e reformados espalhados pelos órgãos da administração federal é uma ofensa ao bom senso. Trump morreu pela boca, como diz o dito popular para explicar que quem fala muitas bobagens acaba vítima delas. Bolsonaro segue pelo mesmo caminho a passos largos. Os conflitos criados pelos pronunciamentos do presidente da República têm atrapalhado a vida do país e causado muitos prejuízos.
O mais perigoso, atualmente em curso na máquina administrativa federal, é que o presidente está colocando em postos estratégicos apenas pessoas que concordam com ele em tudo, principalmente nas questões exóticas, como é o caso do negacionismo em relação à Covid-19. Como tudo isso vai terminar, ninguém sabe. Mais uma coisa é certa: Bolsonaro entrará na história do Brasil como o primeiro presidente “boca de conflito”. Trump entrou como presidente que mais mentiu na história dos Estados Unidos. Pessoas como Bolsonaro e Trump surgem devido à ignorância da imprensa. É por ai, colegas.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.