Ao que parece, o presidente Bolsonaro gosta de brincar com seus fiéis seguidores e de mantê-los em suspense. São testados sob pressão e precisam manter a calma para não se tornarem hipertensos e terem um enfarte.
Que Sérgio Moro seja forte e não se sinta preterido, pois o presidente deu a entender que seu lugar no STF, embora prometido, não é certo. Talvez funcione primeiro a prioridade religiosa, pois o diabo anda solto e é preciso acabar com os abortos e os homossexuais.
Deus precisa ter no STF o primeiro jurista versado nas Santas Escrituras, capaz de punir quem transgride sua Santa Lei – mais importante, é claro, que as leis terrenas. É urgente acabar de vez com os fazedores de anjinhos, colocar nas clínicas os homens e mulheres com distúrbios homossexuais e, enfim, é urgente criar, segundo desejo da ministra Damares, uma geração de jovens capazes de se abster do sexo sem se masturbar.
Por isso, talvez Sérgio Moro tenha de dar um tempo: antes dele, quem entrará no STF será um homem de Deus. Bolsonaro teve essa iluminação numa mensagem vinda diretamente de Deus, agora empenhado em salvar o Brasil do deboche e do pecado, quando conversava com o recém-nomeado corregedor do Conselho Nacional de Justiça, Humberto Martins, mesmo sendo ele um evangélico do sétimo dia.
Houve um clarão e Bolsonaro ouviu uma voz íntima lhe sussurrar num dos ouvidos: “é esse o novo ministro do Supremo”.
“Sim, Senhor Deus, fala que o teu servo ouve”, respondeu o presidente, extremamente feliz e honrado por ter se tornado um instrumento de Deus.
“Mas um é pouco”, disse-lhe a voz divina, “você tem perto de você, no Planalto, outro fiel servidor, o irmão André Luiz (não o espírita!) Mendonça, da Advocacia Geral da União, ele é presbiteriano. Foi o Boanerges Ribeiro, aqui ao meu lado, quem me soprou seu nome. O Moro vai entender, ele é um bom juiz mas tem um defeito: segue os idólatras romanos e esse Papa vermelho não me agrada”.
“Mas eu já prometi…”, conseguiu o Presidente tirar da garganta num som esganiçado. “Então despromete”, disse-lhe a voz, num tom severo, deixando claro não aceitar contestação.
A ideia de se criar um novo Estado teocrático se tornou muito mais viável e possível com o advento das novas tecnologias e dos modernos meios de comunicação do tipo WhatsApp, Instagram, Twitter e Facebook.
Os indianos ainda passam horas e dias em meditação, esperando o contato com a divindade. No Ocidente, tudo ficou mais rápido: basta um computador ou um celular. Lança-se a pergunta e logo vem a resposta direta dos céus.
E os pastores precisam logo tornar o Brasil um país teocrático evangélico para não sofrer concorrência dos muçulmanos. Quem nos leva a pensar isso é um escritor francês, pichado tanto pela esquerda quanto pela direita, do tipo dos escritores malditos tão caros aos franceses. Trata-se de Michel Houellebecq.
Em seu penúltimo livro, Submissão, acusado de islamofóbico, ele começa contando a pacata história de um professor da Sorbonne, em Paris, quando, por um mal arranjo político dos socialistas, é eleito um presidente muçulmano não pertencente ao grupo jihadista, mas um religioso tranquilo que, em pouco tempo, aproveitando da fraqueza dos socialistas e laicos, instaura a religião muçulmana na Sorbonne, na cultura francesa e na França.
E, de repente, as mulheres estão todas de véu ou xador nas ruas, sem mostrar um pedaço do corpo ou das pernas, não se come mais carne de porco e a cultura francesa vai se tornando muçulmana em troca de vantagens para os professores que aceitam ir se convertendo, também para não perder o emprego. As igrejas católicas são substituídas por mesquitas e a transição se faz de maneira suave, sem choques. Bye bye Jeová ou Deus, bem-vindo Alá!
O professor ganha sua cobiçada cátedra tão logo pronuncia as simples e mágicas palavras da conversão muçulmana, logo depois descobre as delícias da poligamia e sua vida é enriquecida com formosas lolitas, tudo da maneira mais oficial e legal. O sexo deixa de ser o problema opressivo da religião cristã, o pecado é menos presente e as mulheres sabem qual é o seu lugar.
Se um dia a Arábia Saudita conseguir passar sua mensagem de Alá no Brasil e na América Latina, ela se alastrará como o fogo destruidor dos pecuaristas e agroplantadores bolsonaristas nas árvores da Floresta Amazônica.
Alá é também homofóbico, como Jeová, e tem uma lei severa com punições ancestrais – como cortar as mãos dos ladrões ou matar homossexuais e mulheres adúlteras a pedradas. Os machões e machistas brasileiros se converterão aos milhões. Com esses castigos radicais, nem armas serão necessárias. E haverá sempre aquelas delícias às quais o professor da Sorbonne se rendeu.
***
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. É criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.