Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Diálogo de surdos: esquerda e direita falam só para bolhas de convertidos

(Foto: Unsplash)


Publicado originalmente no site Balaio do Kotscho
Em entrevistas e discursos, é sempre a mesma coisa, sem novidades: esquerda e direita se equivalem na mesmice das mensagens, falando para os já convertidos.
Como os dois lados têm o apoio de um terço do eleitorado cada um, segundo as pesquisas, sobram 40% que estão esquecidos e já nem prestam mais atenção.
A maioria silenciosa, que decide eleições, apenas assiste bestificada a esse diálogo de surdos.
Nas redes sociais, todos os levantamentos mostram um massacre da extrema-direita, cada vez mais radicalizada: são idiotas falando para idiotas empoderados pelo bolsonarismo.
A esquerda está numa encruzilhada, e não se trata só de ter os mesmos recursos humanos, tecnológicos e financeiros para montar estrutura semelhante.
O problema é o conteúdo: para lutar com as mesmas armas, a esquerda analógica teria que abrir mão de princípios e partir também para a baixaria, que é o que rende cliques e audiência, alimentando os algoritmos da selva da internet.
É impossível concorrer no mesmo nível com Bolsonaro, Weintraub, Araújo, Salles, Damares e esse bando todo que não tem o menor compromisso com os fatos e com o país.
Mesmo que quisesse, onde a esquerda iria encontrar similares para rebater as atrocidades e barbaridades dos atuais ocupantes do poder?
Bolsonaro já avisou que é preciso destruir tudo o que está aí para começar a construir do zero uma nova sociedade, e a sua equipe de vândalos sem controle cumpre esta missão à risca.
Sim, trata-se de inominável loucura, mas eles fazem isso com método, distribuindo os papéis para cada um, e obrigando todo mundo a falar deles o dia inteiro.
Já me propus várias vezes a não falar mais do capitão e seu desgoverno, mas é impossível.
Por suas palavras e atos, eles decidem nossas vidas, criam uma nova realidade, mudam leis a seu bel prazer, fazem-nos reagir às ações mais insanas para acabar com direitos e implantar uma nova ordem, baseada no fundamentalismo político, miliciano e religioso.
A esquerda estava acostumada a polarizar com o PSDB, que também é analógico, e está perdido em seus labirintos, com prazo de validade vencido.
Agora, a disputa não é mais feita em comícios, palanques e atividades partidárias à luz do dia, mas nos subterrâneos ainda desconhecidos da guerra virtual.
As lideranças de oposição estão com os mesmos discursos de antes das eleições e do tsunami provocado pela assunção da extrema-direita sem partido.
Dividida e sem novas propostas para tirar o Brasil do buraco, a esquerda alterna-se entre o vitimismo e o salvacionismo, incapaz de apresentar qualquer nova proposta, uma ideia original que seja, para tirar o país do buraco e devolver esperança ao povo.
Dia após dia, é sempre mais do mesmo, cada um gritando para um lado, e daqui a pouco vamos completar um ano dessa insanidade, em marcha batida para o caos econômico e social.
Um dos mais lúcidos e raros pensadores brasileiros, o teólogo e filósofo Leonardo Boff, em artigo publicado no Brasil 247, pergunta-se, perplexo: “O que virá depois do conservadorismo atroz da direita? Será mais do mesmo? Mas isso é muito perigoso, pois podemos ir ao encontro de um armagedom (o fim do mundo bíblico) ecológico-social, pondo em risco o futuro comum da Terra e da humanidade”.
Parece que ninguém mais está parando para pensar nessa desgraceira que avança sob nossos olhos.
Se a Amazônia bate recordes de desmatamento e queimadas, o napoleão do Planalto limita-se a dizer que esse é um problema “cultural” e que não há o que fazer para parar as motosserras.
Se as investigações sobre o assassinato de Marielle estão chegando ao seu filho Carluxo, o 02, chefe da milícia virtual, o capitão tem a coragem de dizer: “Parece que à esquerda não interessa resolver o caso Marielle. Interessa continuar usando a morte dela em causa própria”.
O que dá para responder a uma imbecilidade dessas?
Mas também não dá para ignorar o método existente nessa loucura, repetindo discursos de antigamente, que não comovem as bolhas atômicas do bolsonarismo, nem mobilizam os descontentes.
“Estamos imersos numa angustiante crise civilizatória que ganha corpo nas várias crises (climática, alimentar, energética, econômico-financeira, ética e espiritual”, escreve Boff.
Que caminhos a esquerda tem a propor para sairmos de todas essas crises, além de combater as injustiças e iniquidades praticadas pela Lava Jato?
Num ponto, direita e esquerda se encontram: ao olhar para trás e evocar o passado, dos tempos da ditadura ou da democracia, respectivamente, num festival de nostalgia que não deixa espaço para discutir o futuro.
De Lula se espera que, nos próximos pronunciamentos, apresente ao PT as bases de um projeto nacional, voltado às novas gerações, para manter acesa uma chama de esperança.
O Brasil não merece ficar nas mãos desses trogloditas saídos das tumbas da ditadura.
Vida que segue.
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Ricardo Kotscho é jornalista.