Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

E daí, Capitão Messias?

(Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo

Vamos ser corretos, Capitão! Para se eleger, o Capitão foi até Israel para ser batizado no rio Jordão como Cristo – vi até foto e vídeo – e acabou sendo identificado como o Messias brasileiro, aquele que salvaria o Brasil.

Salvaria do quê, exatamente? Da miséria, da fome, dos baixos salários, da exploração dos trabalhadores? Ah, não é bem isso! Do quê, então? Ah, do comunismo? Espera aí, Capitão. Atualmente, não há nem dois dígitos de comunistas no Brasil! Me desculpe, mas isso parece mais conversa para boi dormir… ou para seu gado dormir, como se diz atualmente.

Em compensação, os brasileiros estão precisando urgentemente ser salvos do coronavírus. Na competição internacional para saber quem é o pior país no combate ao vírus, o Brasil melhorou bastante sua posição, neste fim de semana, conquistando o quarto lugar entre os países com maior número diário de contaminações, logo depois dos EUA, Inglaterra e Itália. Não sei, Capitão Fracasso, se lhe dou parabéns ou pêsames por tal conquista internacional!

Volto à questão inicial porque, quando alguns de meus colegas jornalistas quiseram saber qual sua reação diante do aumento do número de mortos em consequência da sua falta de combate ao vírus, foram surpreendidos com sua resposta – “sou Messias, mas não faço milagres”. Opa: em outras palavras, é um Messias fajuto? É isso, Capitão? Se não faz milagres, por que se meteu a ser Messias?

Minha outra dúvida é sobre sua atual nacionalidade. Capitão, acabo de ver um vídeo do seu mais recente contato pessoal com seus seguidores, nos qual aparece, como sempre, sem máscara, no domingo, em Brasília. E tive uma surpresa, agora transformada em dúvida.

Explico minha surpresa – até domingo, sempre vi suas fotos e vídeos, sem máscara, com seus fiéis, que se protegem do vírus com orações, tendo ao lado, nas camisas ou nas faixas, a bandeira brasileira ou suas cores predominantes, verde e amarelo. Porém, nessa sua última aparição, o vídeo não me desmente, a bandeira brasileira foi substituída por uma bandeira dos EUA, Estados Unidos da América, ou pela bandeira norte-americana.

E me veio a dúvida – o Capitão obteve do amigo Trump a cidadania norte-americana, rapidinho, em tempo recorde, como prevenção no caso de precisar sair corrido de improviso de Brasília e viajar para os EUA? Não precisa se explicar, Capitão, sua plateia não vai ver nenhum mal nisso, os Estados Unidos sempre deram refúgio aos golpistas e ditadores centro e sul-americanos.

Estará, portanto, em boa companhia, mesmo porque os evangélicos norte-americanos irão recebê-lo com gospels e mesmo com folhas de palmeiras (como Cristo na Páscoa, em Jerusalém), provavelmente em Miami, onde tem casa de veraneio seu amigo na fé, ou na prosperidade que a fé ou a suposta fé podem gerar.

Estranho, mas o protestantismo criado pelos reformadores, como Lutero e Calvino, foi, de certa forma, o rompimento com o monopólio da fé cristã por Roma e representou a abertura para as grandes reformas que levariam mesmo ao reconhecimento da democracia, aos direitos humanos e ao fim dos reinados e do poder absoluto.

O evangelismo, esse desvio fanático do cristianismo, cujos excessos inspiraram livros e filmes como Silas Marner, de George Eliot, e A letra escarlate, de Nathaniel Hawthorne, vai no sentido oposto, inspirado por uma sujeição ao absolutismo de Deus.

Ao falar em golpistas e ditadores centro e sul-americanos, lembrei-me, Capitão, de dois deles que lhe devem ser bem familiares. É claro, Capitão, que sua inspiração primeira é a do ícone nazista Adolf Hitler, tanto que o seu lema político é uma cópia e adaptação descarada do lema nazista Deutchland Uber Alles, “a Alemanha acima de todos”, ao nacionalismo evangélico: “O Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”.

Depois de Hitler, com certeza, Capitão, seus heróis são o ditador dominicano Rafael Trujillo e o ditador chileno Augusto Pinochet. Permita-me um jogo de palavras: Messias contra o Salvador Allende. Sua preferência, Capitão, é por Pinochet, ditador de país maior, que governou durante dezessete anos com todos os poderes, matando e prendendo quem se atrevesse a criticá-lo.

É também essa sua atração pela violência e brutalidade a razão de sua admiração por Rafael Trujillo, ditador por trinta anos.

Deus absoluto e o Capitão, também absoluto! Cabe até, me perdoe, Capitão, uma outra brincadeira com as palavras – Deus e o Diabo na terra do sol. Não importa que não tenha entendido e nem sua ignorante plateia, mas talvez a quase ex-secretária da Cultura entenda: trata-se de um filme de Glauber Rocha.

Ah, Capitão, se não pode fazer milagres, por que se meteu a ser Messias e salvador do Brasil? Dizem que vai tentar dar um golpe, não sabemos com quem, porque o Exército, pelo que li e ouvi, não vai entrar nessa maluquice. Outros dizem que o Capitão, um tanto maluco e desequilibrado, capaz de tornar amigos em inimigos (ainda bem!), vai ser apeado do poder com um impeachment. Logo, bem logo.

Apenas um pedido, Capitão: quando a hora do impedimento – ou, no inglês de Trump, quando o impeachment – chegar, faça como o verdadeiro Messias. Saia sem fazer barulho. Não provoque uma guerra civil desnecessária, mesmo que o Brasil esteja cheio de evangélicos querendo ir para o céu. Poupe-nos disso. Quem sabe Deus lhe perdoa tanto desatino.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.