“Mesmo armado, me senti indefeso” foi a frase de Jair Bolsonaro, resgatada pela imprensa, que virou até manchete na revista Época no ano passado, quando assaltantes levaram sua moto e sua pistola Glock numa rua do Rio de Janeiro, em 1995. Mesmo tendo vivido na pele a experiência de que uma arma que não servia para nada nesses momentos de rendição, e sabendo que 70% dos brasileiros repudiam o uso de armas para civis, como revelou a pesquisa Datafolha há quatro meses, Bolsonaro e seu governo insistem em decretos arbitrários para enterrar a lei de controle de armas. Com o livro Armas, para quê?, o sociólogo e consultor da ONU e do Viva Rio, Antonio Rangel Bandeira, pretende frear a bancada da bala e desmascarar os decretos presidenciais que isentam policiais de comprovar que não têm ficha criminal, de testes psicológicos e de capacitação. Os decretos reduzem a idade de 25 para 21 anos para compra de armas; liberam o uso de até dezesseis armas para caçadores e atiradores esportivos, e de até dez para agentes de segurança privada. “Isso tem levado policiais a fuzilar crianças, como aconteceu com a menina Ágatha, de 8 anos”, diz o autor. O livro, da editora Leya, que já está à venda no Rio, vai ser lançado em São Paulo dia 6 de novembro, na Livraria da Vila da rua Fradique Coutinho.
A lei brasileira que proíbe o uso de armas para civis inspirou oito países e Rangel Bandeira cita o economista Daniel Cerqueira, do IPEA: “Em doze anos, a lei evitou que 197 mil pessoas morressem por armas de fogo”. O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon, assustou-se: “Como policiais podem propor que os próprios cidadão se defendam? É o faroeste”.
No livro, Rangel Bandeira compara as três pessoas que morreram em 2017 por armas de fogo no Japão, que as proíbe para civis, com as 47.500 que morreram no Brasil – média de 130 por dia. “No mundo todo, o controle de armas é a principal medida para reduzir a violência. Mas aqui, como disse Paulo Lins, autor de Cidade de Deus, ’falha a fala, fala a bala’”. Armas, para quê?
Estado policial
Junto com o livro de Rangel Bandeira, o ex-líder estudantil e dirigente do MR-8 na década de 1960, Cid Benjamin, lançou há dois meses um manual de sobrevivência: Estado policial (Civilização Brasileira), onde analisa a expansão e o poder das milícias, o desamparo da população hoje possível de ser vigiada nos celulares, computadores, notebooks e tablets, discorre sobre os atentados ao longo da história e ainda dá dicas para escapar do terror e do medo. “A serpente do fascismo está ativa” é o comentário, no livro, de Dom Angélico Sândalo Bernardino; o de João Baptista Damasceno é que Estado policial é uma elegia à coragem num país onde os assassinatos da juíza Patrícia Acioly e da vereadora Marielle Franco demonstram quanto são bem articulados os grupos de matadores. Wagner Moura, que dirigiu Carlos Marighella, do qual Benjamin foi consultor, conta no prefácio que, no filme, um repórter belga pergunta aos dirigentes da Aliança Libertadora Nacional: “Como chegamos a este ponto?”. Uma pergunta, diz Moura, que volta a nos assombrar.
PS 1 – Deboche e uma pequena diferença: enquanto, na França, o incêndio que destruiu parte da Catedral de Notre-Dame vai virar série de TV inspirada no sucesso da HBO Chernobyl, em projeto baseado numa reportagem do The New York Times com produção das francesas Pathé, Vendome Groupe e da britânica Moonriver, no Brasil, a doleira Nelma Kodama, presa em 2014 no aeroporto de Guarulhos ao tentar embarcar com 200 mil euros escondidos na calcinha – a mesma que amarrou um lenço Hermès para esconder a tornozeleira eletrônica e que, durante o interrogatório que a condenou a dezoito anos de prisão cantou para o amante Alberto Youssef, também doleiro, a música de Roberto Carlos Amada, amante – lançou, há duas semanas, com cenografia de uma cela de prisão, o livro A imperatriz da Lava Jato.
PS 2 – A imprensa aguarda para esta semana o centésimo ataque de Jair Bolsonaro dirigido a jornalistas e ao jornalismo. Segundo a contabilidade da Federação Nacional de Jornalistas, já são 99 em seus dez primeiros meses de governo – ou seja, uma média de dois por semana.
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Norma Couri é jornalista.