Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Estaria a Globo se preparando para liderar a campanha pelo “Fora Bolsonaro”?

(Foto: Fotos Públicas)

Em ocasiões pontuais da história brasileira, as forças conservadoras, diante da impossibilidade de indicar um nome viável da direita tradicional para concorrer às eleições presidenciais, tiveram que improvisar determinadas candidaturas avulsas, unindo-se em torno de políticos fora do mainstream institucional. Estes foram os casos de Jânio Quadros, no início dos anos 1960, Fernando Collor de Mello, no final da década de 1980, e, recentemente, de Jair Bolsonaro.

Estes políticos improvisados possuíam certa popularidade – que, somada ao apoio dos principais veículos de comunicação de massa, foi suficiente para que se elegessem. Quando assumiram a Presidência, porém, suas personalidades e atitudes imprevisíveis, difíceis de serem disciplinadas, fizeram com que batessem de frente com os outros poderes da República (Legislativo, Judiciário e mídia), contrariando, de alguma forma, os interesses dos responsáveis por suas eleições.

Os resultados dessas apostas arriscadas feitas pelas forças conservadoras são do conhecimento de todos: Jânio Quadros ficou apenas sete meses no poder e Fernando Collor sofreu um processo de impeachment em menos de três anos de mandato.

O descontentamento popular com atual o governo federal – que teve início com as consequências negativas da política econômica desastrosa e se intensificou com as atitudes irresponsáveis do presidente da República frente à pandemia do coronavírus – nos aponta que o destino de Bolsonaro poderá ser o mesmo de seus antecessores Jânio e Collor.

Nesse sentido, é importante relembrarmos os exemplos históricos. Em 1961, como João Goulart, vice-presidente de Jânio Quadros (eleito em uma chapa diferente), era considerado um nome perigoso para os donos do poder, a solução encontrada foi instaurar um sistema parlamentarista que, na prática, minava as principais atribuições do executivo.

Três décadas depois, o procedimento para a retirada de um presidente improvisado foi mais fácil: os principais grupos de comunicação do país (principalmente a Rede Globo e a revista Veja) se apropriaram das mobilizações pela deposição de Collor, garantindo, assim, que o Congresso realizasse uma transição tranquila para a ascensão de Itamar Franco, sem a ameaça de uma grande insurreição popular.

Neste momento, nos encontramos em uma situação semelhante (e muito pior) às relatadas nos parágrafos anteriores. Em um contexto de crise econômica agravado por uma crise de saúde pública, é normal que o povo se rebele contra um governo que tem se mostrado extremamente incapaz de lidar com ambas as crises.

É exatamente aí que entra a estratégia da Rede Globo. Diante do tradicional imobilismo da esquerda brasileira e da momentânea impossibilidade de o povo ir às ruas para manifestar sua revolta, a emissora família Marinho resolveu se antecipar aos fatos.

Com a probabilidade cada vez mais real do crescimento da pressão popular pela queda do presidente da República, a Rede Globo pretende se tornar o canal oficial do “Fora Bolsonaro”.

Como dizia o velho Marx, “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. O modus operandi global é o mesmo recentemente utilizado em relação às jornadas de junho de 2013: ao menor sinal de descontentamento popular, se apropriar desse sentimento e canalizá-lo de acordo com os interesses econômicos e ideológicos das forças conservadoras.

E, assim, a cada pronunciamento desastroso de Bolsonaro minimizando os efeitos da pandemia do coronavírus sobre a saúde pública, temos várias reações contrárias dos principais articulistas da GloboNews. Cada panelaço contra o governo federal feito pela classe média é devidamente noticiado pelo Jornal Nacional.

No entanto, não nos deixemos enganar! As divergências entre Globo e Bolsonaro não estão relacionadas ao fato de que o governo federal “cortou a mamata da emissora”, como dizem os bolsonaristas, ou tampouco estão ligadas a uma preocupação da família Marinho com o bem-estar do povo brasileiro, como acreditam os ingênuos.

Uma queda de Bolsonaro via rebelião popular, sem o controle total dos donos do sistema político, poderia ter como consequência a subida ao poder de um governo progressista que comprometa a execução da nefasta agenda neoliberal (que, aliás, é o principal ponto de convergência entre a Globo e o “mito”).

Portanto, a crítica feita pela direita tradicional à atuação de Bolsonaro não está relacionada ao descaso com o povo demonstrado pelo presidente, mas a sua ineficiência e lentidão em colocar em prática a política de ataques aos mínimos direitos sociais da população. Essa realidade, inclusive, já era fácil de se perceber antes mesmo de a pandemia do coronavírus chegar ao Brasil.

A situação é bastante clara: os donos do poder querem alguém que possa promover a política de terra arrasada de Bolsonaro, mas sem as mesmas declarações estapafúrdias do ex-capitão do Exército. Em outros termos, um governo que ataque o povo brasileiro, mas que não deixe isso implícito em suas falas.

Sob o aspecto discursivo, diante da impopularidade do governo, é fundamental que os principais articulistas da Rede Globo escondam do grande público o fato de que estiveram entre os principais responsáveis pela eleição de Bolsonaro. O mesmo se aplica a alguns políticos que agora querem posar como contrários ao desastroso executivo federal. “Filho feio não tem pai.”

No auge da crise política que culminou com o colapso da República Velha, o então governador mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada proferiu a famosa frase que sintetizava os temores das elites da época: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”.

Quase um século depois, o recado da Rede Globo vai na mesma linha: “tiremos Bolsonaro, antes que o povo o faça e coloque em xeque o programa neoliberal”.

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Francisco Fernandes Ladeira é mestre em Geografia pela UFSJ. Autor dos livros A influência dos discursos geopolíticos da mídia no ensino de Geografia: práticas pedagógicas e imaginários discentes (parceria com Vicente de Paula Leão) e 10 anos de Observatório da Imprensa: a segunda década do século XXI sob o ponto de vista de um crítico midiático (em processo de edição), ambos pela editora CRV.