Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Grande mídia é simpática às medidas do governo e contrária ao comportamento de Bolsonaro

(Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Nos últimos dias, tanto em rodas de conversas cotidianas quanto nas principais redes sociais, tenho presenciado vários debates sobre as relações entre os grandes grupos de comunicação do país e o atual governo federal. Para os partidários de Bolsonaro, a mídia tem feito uma ferrenha oposição ao mandato do “mito”, pois muitos jornalistas e artistas (considerados “comunistas”) teriam perdido “mamatas” presentes nos governos anteriores, como a Lei Rouanet e as publicidades estatais. Já outra linha raciocínio, na qual me incluo, aponta que a imprensa hegemônica, apesar de algumas críticas substanciais e secundárias, continua firme em seu apoio ao governo federal, sobretudo no tocante ao seu projeto de levar adiante a política econômica neoliberal, isto é, mais mercado e menos Estado.

É fato que, na campanha eleitoral do ano passado, Bolsonaro, devido à sua personalidade controversa, não era o presidenciável favorito dos grandes capitalistas (de quem a grande mídia é o principal porta-voz). No entanto, com o candidato do PSL se mostrando o único capaz de derrotar o PT e colocar em prática a agenda econômica neoliberal, não havia outra alternativa: as principais forças conservadoras do país se uniram em torno de Jair Messias Bolsonaro.

Mesmo após eleito e, posteriormente, já cumprindo o seu mandato, Bolsonaro não abandonou os discursos típicos de sua campanha. Pelo contrário, intensificou suas polêmicas. Como diz um jargão do jornalismo político, não desceu do palanque. Nesses sete meses de mandato, não tivemos uma semana sequer sem que houvesse alguma declaração bombástica do atual presidente (ou de algum membro de seu governo). É aí, justamente, que residem as críticas midiáticas ao governo, pois, para qualquer cidadão minimamente lúcido, é difícil defender posicionamentos preconceituosos em relação aos nordestinos, práticas de nepotismo, falas favoráveis à tortura que vigorou durante a ditadura militar ou questionamentos infundados sobre dados científicos.

Nota-se: não se tratam, necessariamente, de críticas às medidas adotadas pelo governo, mas direcionadas exclusivamente à figura de Jair Bolsonaro. Ou seja, o recado dos principais veículos de comunicação do país ao presidente é bastante claro: “Pare de fanfarronice e coloque em prática as medidas que tanto almejamos, como as privatizações, a completa liberação de nossa economia para o capital externo e os cortes nos investimentos públicos”. Portanto, não há ruptura entre mídia e governo. Ambos estão unidos em defesa dos interesses das elites. Essa aliança somente será desfeita caso Bolsonaro não consiga colocar em prática a política econômica para a qual foi eleito. Daí, assim como fez com Fernando Collor de Mello, a mídia gritará impeachment aos quatro quantos.

Conforme apontado anteriormente, já era de se esperar que os setores mais conservadores de nossa sociedade concordassem piamente com a hipóteses de que a mídia tem feito oposição ao governo — para quem acredita em “Globo comunista”, “Foice de São Paulo”, “marxismo cultural” ou “kit gay”, estar equivocado é algo absolutamente normal.

Entretanto, o que mais chama atenção é o fato de indivíduos que se consideram progressistas elogiarem e compartilharem nas redes sociais textos e vídeos que questionam algumas posturas do atual presidente produzidos por articulistas como Eliane Brum, Arnaldo Jabor, Reinaldo Azevedo e Rachel Sheherazade, como se fossem as pessoas mais revolucionárias da face da Terra. Ora, é fundamental lembrar que todos estes nomes (e os veículos de comunicação para os quais trabalham) apoiaram a ruptura democrática que depôs a presidenta Dilma Rousseff, acontecimento fundamental para o processo político que, dois anos depois, desencadearia na própria eleição de Bolsonaro.

Estariam esses articulistas arrependidos pelo apoio ao impeachment? Não. Apenas estão, de alguma forma, desapontados com o atual presidente; não com as políticas neoliberais. Em vez de um falastrão, preferiam um intelectual estilo FHC para colocar em prática as medidas que visam sucatear o Estado brasileiro em prol dos interesses mercadológicos.

Em suma, apontar as idiossincrasias de Bolsonaro é fácil; difícil mesmo é questionar a sua política de terra arrasada, ou mencionar a luta de classes que está por trás da polarização ideológica que observamos atualmente no Brasil. Isso os articulistas supracitados jamais fizeram. Infelizmente, uma parcela considerável da esquerda brasileira anda tão vulnerável que “compra” qualquer discurso que pareça minimamente democrático.

Por outro lado, SBT e Record já demonstraram em suas respectivas programações que estão apoiando o governo incondicionalmente. Como bem apontou Ricardo Kotscho, em texto publicado aqui no Observatório da Imprensa, “fazem questão de assumir o papel de porta-vozes do governo e se vangloriam disso”. Nessas emissoras, quem não compactuar com a linha editorial corre o risco de ser dispensado, como o foi o caso do jornalista recém-falecido Paulo Henrique Amorim. Como se sabe, Edir Macedo, proprietário da Record, compactua com o fundamentalismo religioso de Jair Bolsonaro. Já Silvio Santos parece ter afinidades ideológicas com o presidente (ou seja lá o que for).

Dificilmente (para não dizer “impossível”) vamos encontrar qualquer editorial, reportagem ou artigo de opinião produzido pelos grandes grupos de comunicação do país para questionar as políticas cruciais do governo Bolsonaro — como, por exemplo, a reforma da Previdência. Embora haja divergência em relação às pautas secundárias, no que tange à aplicação do receituário neoliberal Globo, SBT, Record, Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo, Veja e Bandeirantes não divergem. Estão todos fechados com o “mito”.

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Francisco Fernandes Ladeira é mestre em Geografia pela UFSJ e professor do IFES – Campus Vitória. Autor (em parceria com Vicente de Paula Leão) do livro A influência dos discursos geopolíticos da mídia no ensino de Geografia: práticas pedagógicas e imaginários discentes, publicado pela editora CRV.