Agora só falta alguém propor o impeachment do presidente, eleito há menos de um mês, cuja inabilidade, amadorismo e despreparo para o cargo poderão provocar funestas consequências para o Brasil.
O governo Bolsonaro nem começou e a impressão é a do Brasil ter sido entregue a um grupo de incapazes. Como se não bastassem os erros e as incertezas do presidente, descobre-se que o novo ministro das Relações Exteriores foi indicado por seu filho Eduardo, uma receita caseira aplicada para um dos postos mais importantes do país, fazendo voar em pedaços a tradição de qualidade e competência exigida e mantida até hoje pelo Itamaraty.
O blog editado, desde setembro por Ernesto Araújo, nomeado ministro-chanceler, Metapolítica com o número 17 de Bolsonaro nas eleições, é pobre na sua estrutura e estilo, chega a ser ridículo apesar de pretender demonstrar erudição. Isso quanto à forma.
No que se refere ao conteúdo, é uma tragédia, a pequenez de suas idéias compromete o Brasil, depõe contra nossa soberania, viola nossa laicidade, um documento primário que nos dá calafrios como base e inspiração de uma política internacional.
Não é exagero dizer-se que essas mal traçadas linhas do diplomata Ernesto Araújo são ensaios minimalistas, diante da riqueza dos textos de precedentes chanceleres de direita ou de esquerda, de sólida formação intelectual. Elas também depõem contra o celeiro de diplomatas, o Instituto Rio Branco.
Ernesto Araújo, cuja formação carece da experiência como embaixador, propõe o culto do nacionalismo típico dos ideólogos da extrema direita. Não, à uma comunidade de nações vivendo em paz, isso para ele é globalismo. Sim, à idéia de uma nação forte, acima das outras, fonte de atritos e guerras. No seu dizer “o remédio é voltar a querer grandeza. Encha o peito e diga: Brasil Grande e Forte”.
E isso nos lembra Bolsonaro na noite da vitória nas eleições dizendo — Brasil acima de todos. Que, por sua vez, nos faz lembrar de uma frase internacionalmente famosa Deutchland uber alles, no caso, o slogan nazista “A Alemanha acima de todos”, de Hitler.
Exagero? Não. O culto das armas aliado ao culto da grandeza só pode levar ao imperialismo e à guerra. E a guerra sempre foi o sustentáculo dos regimes fortes em busca de apoio popular. A Venezuela que fique alerta.
Porém, ao mesmo tempo em que Ernesto Araújo incentiva o culto do Brasil grande país, em lugar de país grande, faz voto de submissão ao maior de todos, os Estados Unidos, e de sujeição ao seu chefe, Donald Trump, abrindo mão de nossa soberania.
E não falta, é claro, a religião, essa componente de todos os impérios, mesmo os mais antigos, por ser a força dominante capaz de manter o povo sujeito, seja pelo temor das ameaças ou castigos aplicados aos desobedientes por deus ou deuses, seja pelas promessas de recompensas oferecidas aos mortais.
E Ernesto Araújo acentua os componentes ideais da grande nação: “amor à pátria e a família, a fé em Deus”. Nada mais nada menos que o lema do antigo ditador português Salazar e do integralismo brasileiro ou fascismo de Plínio Salgado.
Mas isso não é tudo. Para Ernesto Araújo, o aumento da temperatura no planeta não existe. é uma invenção da esquerda que denomina de climatismo, cujo objetivo é dominar as pessoas e dar supremacia à China. E esse delírio é escrito por um futuro chanceler do Brasil, país onde houve em 1992 a primeira grande conferência pela defesa do meio ambiente no planeta.
Ainda é cedo para se detetar reações de decepção entre os eleitores de Bolsonaro. Porém, já circulam rumores de temores entre empresários do agronegócio de uma quebra no volume de exportações se o Brasil se posicionar junto com os Estados Unidos e Israel, comprando uma briga que não é sua com a China e os países árabes.
A transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém significará a perda de mais de dois bilhões de dólares para o Brasil, pois os países árabes importadores de carne brasileira prometem suspender suas compras.
Outra preocupação maior do agronegócio é a de muitos países reagirem diante da provável saída brasileira do Acordo de Paris contra a poluição atmosférica, propondo um boicote da soja brasileira, principal fator do desmatamento da Amazônia, e principal fonte de divisas para o Brasil.
A ridicularização da política internacional brasileira do Itamaraty seria a gota d’água que levará setores importantes da direita e mesmo diplomatas do Itamaraty a exigirem um outro chanceler, mesmo antes da posse de Ernesto Araújo, ou começarem a conspirar a possibilidade de um impeachment do presidente Bolsonaro ainda não empossado, cuja presença em Brasília levará o Brasil ao descrédito internacional e à bancarrota econômica, comprometendo mesmo sua soberania.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.