Nosso arroz é comunista. Ousa fazer política contrária a Bolsonaro.
Nosso mico-leão é fascista. Quem mandou habitar a Mata Atlântica quando a propaganda do ministro visava enganar a União Européia com a Amazônia?
Nosso lobo-guará, predador em extinção, tem desvio ideológico. Desobedeceu quando mandaram ser dócil e fértil para posar na providencial (aos Bolsonaro) nota de R$200,00.
Nossa Amazônia conspira contra a nação quando insiste em manter ICMBio, IBAMA, Inpe e o Pantanal espalha mentiras sobre 2 milhões de ha queimados, e por rebeldia vão todos receber a boiada.
Nossos indígenas merecem ser evangelizados e acolher mineração e pasto das terras que serão des-desmarcadas e tome flechada no peito de indigenistas, não serão protegidos mesmo.
Nossos livros são objetos de elite para disseminar socialismo, não adianta disfarçar que os mais lidos são a Bíblia, O Pequeno Príncipe e Branca de Neve, serão taxados para custar mais 20% nas terras verde-amarelas, só se lê o que ganharem.
Nosso quadro do rei da Bélgica foi rebelde ao se colocar atrás do ministro da Cultura quando o vídeo era para o 7 de setembro, e agora Mário Frias vai controlar os posts da Ancine, Iphan, Funarte, Ibram…
Nossos ministros da Educação já nos qualificaram, “brasileiros são canibais quando viajam, roubam coisas dos hotéis, assentos salva-vidas do avião”, segundo Vélez Rodríguez, em fevereiro do ano passado. Os ministros do Supremo são “vagabundos” segundo seu sucessor Abraham Weintraub. E nossos jovens são “zumbis existenciais”, segundo o atual, Milton Ribeiro.
Nossa Casa de Rui Barbosa — não importa que há 100 anos foi inaugurada para leitura, estudos e conferências, com 42 mil livros encadernados e mais de 60 mil documentos históricos, literários e jurídicos — disseminava ideologia perversa e, de castigo, vai ser emparedada, virar Museu.
Nossa Cinemateca Brasileira, antro de esquerdistas armados, maior acervo de imagens perigosas da América Latina, com seus 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos “vermelhos”, não pode ficar distante dos olhos do governo, está em andamento a proposta para transferi-los para o coração da pátria amada, Brasília.
Nossos artistas fazem campanha aberta e são atrevidos, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, que tinham cabelos adoidados e cantavam hinos subversivos como “É proibido proibir” e adulteravam o hino nacional, mas agora fazem vídeos falando mentiras sobre a prisão e o exílio. Acabou a mamata do patrocínio, agora é cala boca neles.
Nossas editoras só homenageiam inimigos, como Ferreira Gullar com um “Poema Sujo”, quando os verdadeiros heróis da pátria serão mostrados em vídeos educativos por Mário Frias com brado retumbante, por que não um Carlos Alberto Brilhante Ustra?
Nossos jornalistas são os adversários a serem combatidos, eles produzem o que diz a deputada Bia Kicis (PFL-DF), no road-show desta semana: “eu e Ryan Hartwig [militante norte-americano de direita apoiador de Trump e Bolsonaro] estamos conversando sobre as mentiras, as fake news produzidas pela esquerda, e que têm amparo de redes como o Facebook, enquanto aquelas verdades que a gente fala são tratadas como fake news…”.
Nossos antifascistas são de tamanha violência que planejam um golpe armado, por isso o governo aumenta o poder impondo-se como o segundo país do mundo que mais gasta com militares, perdendo só para Grécia. Militares consomem 74,36% de gastos com pessoal, 17 vezes o que custa o INSS, mas é tudo justificado, a guerra vem aí.
Nosso ministério da Saúde não precisa de médicos, mas de militares, porque quem matou esses ditos 130 milhões não foi o governo, o Brasil tem a melhor política de saúde do mundo, a culpa é dos governadores, morrer todo mundo vai, e daí se nossa esquerda segue dizendo que a culpa é do presidente? Milicos neles.
Nossos desvirtuados opositores da cartilha da mamadeira de pênis e do kit gay pedem o futuro de volta quando nosso discurso do 7 de setembro foi glorioso, exaltou “a revolução” de 64, a volta ao passado. Estamos armando nosso exército de seguidores para combater as distorções ideológicas e colocar o país educado, enfileirado, obediente, na rota militar.
Nosso ministro Luiz Fux fez uma posse estranha na presidência do STF, encerrou seu discurso com “Baruch Hashem”, judeu, chamou um cantor para um canto de paz “Ya Se Shalom”, citou o poeta libanês Khalil Gibran e não entendemos o que ele quer, a paz no Oriente Médio? Por aqui não gostamos de estrangeiros, nós somos os maiores, e quem disse que harmonia entre poderes não significa subserviência? Subserviência, sim, independência só a do 7 de Setembro, esse negócio não vai dar certo…
Nossa historiadora comunista Lilia Schwarcz no programa ideologicamente incorreto, Roda Viva, foi dizer que o golpe é Bolsonaro? Ele é o golpe? O golpe são os outros, o golpe é o Brasil que herdamos com plantações de maconhas nas universidades que vão ser desmontadas, nas salas de aula que cantam a Internacional, na música, literatura, audiovisuais e intelectualidade contaminados, o golpe é do Brasil que não é terrivelmente evangélico, e que estamos desmontando aos poucos, passando a boiada uma por uma e quando virem a Alphaville que vamos colocar no lugar todos os inimigos estarão desarticulados, definhados, mortos de fome.
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Norma Couri é jornalista.