Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
Um olhar atento às fotos e aos vídeos publicados por sites, jornais impressos e emissoras de TV com as entrevistas dadas em janeiro e fevereiro por Jair Bolsonaro (PSL-RJ) revela, na maioria das vezes, a presença, ao lado do presidente da República, de um dos generais que fazem parte do primeiro ou do segundo escalão do governo. Hoje, quando estão presentes, se posicionam afastados do presidente. Aprendi a prestar atenção no posicionamento dos generais ao redor do seu chefe nas fotos e vídeos durante uma longa entrevista que fiz, em 2010, no Rio de Janeiro, com o general Newton Cruz, na época com 76 anos. Nunca escrevi essa história, até porque a minha conversa com o general era outra. Fui entrevistá-lo para o livro Os infiltrados: Eles eram os olhos e os ouvidos da ditadura, que publiquei em parceria com os repórteres Carlos Etchichury, Humberto Trezzi e Nilson Mariano.
A conversa sobre a foto aconteceu durante o almoço, uma comida espartana acompanhada de um refrigerante de litro. Eu prestei muita atenção às palavras do general; estava diante de um arquivo vivo de um período complicado da história do Brasil. Newton Cruz participou do golpe militar de 1964. E estava presente em 1968, quando a linha dura do Exército deu um golpe dentro do golpe e fez nascer o AI-5. De 1964 até o final da década de 1970, ele ocupou postos-chave no governo, entre eles o de chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) – há matéria disponível na internet. Lembrei-me da história contada pelo general quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) falou sobre a possibilidade de reeditar o AI-5 caso aconteçam aqui as mesmas manifestações populares que estão sacudindo o Chile. Por ser filho do presidente Bolsonaro, capitão da reserva do Exército, as palavras do deputado tiveram um enorme eco – há um vasto material na internet.
A conversa do deputado sobre o AI-5 lembrou-me da história do posicionamento dos generais ao redor do seu chefe, contada por Newton Cruz. Por quê? Os generais da reserva e da ativa que ocupam postos de primeiro e segundo escalão e outros 120 militares que fazem parte do governo dão uma sustentação política não oficial a Bolsonaro. No imaginário popular, eles representam o apoio das Forças Armadas ao governo. Nos últimos três meses, dá para contar nos dedos de uma mão as vezes que eles fizeram comentários públicos sobre as polêmicas causadas pelas falas presidenciais. No começo do governo, o general Augusto Heleno Pereira, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), se apresentava a traduzir para os jornalistas as posições manifestadas de maneira intempestiva por Bolsonaro. Chamou-me atenção a expressão de surpresa no rosto do general Heleno durante uma entrevista em que o presidente defendeu a exploração mineral das reservas indígenas. Tem o dedo dos militares o fato de as reservas estarem em cima de grandes jazidas minerais. O vice-presidente da República, general da reserva Hamilton Mourão, tem evitado comentar as polêmicas causadas pelo presidente.
O ódio de Bolsonaro ao bom jornalismo, que, em sua opinião, só divulga fake news, dificulta o trabalho do repórter em fazer fontes entre os militares que estão ao seu redor. Durante o governo militar (1964 a 1985), a imprensa era tratada como inimiga e sofria uma dura censura. Mesmo assim, os generais que pensavam o regime tinham os seus “bruxos” nas redações – repórteres que faziam acordos de só publicar as conversas depois da morte da fonte. Entre os generais, todos já falecidos: Golbery do Couto e Silva, criador do SNI e pensador da doutrina de segurança nacional, Danilo Venturini, estrategista da questão fundiária brasileira, Ernesto Geisel, presidente do Brasil de 1974 a 1979, e João Figueiredo, o último presidente do regime militar, entre 1979 e 1985. Em uma leitura nas dezenas de livros publicados sobre o golpe militar pode ser encontrada a versão desses personagens sobre acontecimentos que marcaram o período, tipo o contragolpe de 1968.
Os generais de Bolsonaro estão contando a versão deles dos acontecimentos envolvendo o governo federal? Pouco ou nada sabemos sobre o pensamento deles – por exemplo, a respeito do alinhamento do Brasil com os interesses econômicos e políticos dos Estados Unidos, um assunto sempre polêmico dentro das Forças Armadas. Outro assunto: o Brasil sempre teve uma política de “boa vizinhança” com os países da América do Sul. O que eles pensam sobre os desaforos que o presidente disse ao seu colega eleito na Argentina, Alberto Fernández? Também há um assunto para se tratar ao redor de uma xícara de café com um dos generais do Bolsonaro: a defesa que o deputado Eduardo fez do AI-5 é coisa da cabeça dele ou está sendo o “boneco falante” de algum ventríloquo? Há também a necessidade de sabermos se os generais já tiveram acesso aos relatórios sobre as milícias cariocas feitos pelos serviços de inteligência das Forças Armadas durante as ocupações das favelas no Rio de Janeiro. A lista de assunto é enorme. Uma coisa é certa. Os militares ao redor do presidente não são coadjuvantes da história. Eles são personagens centrais. Eles sabem disso. Nós temos que explicar isso aos nossos leitores.
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Carlos Wagner é jornalista.