Não há o que nós jornalistas não tenhamos escrito sobre o caso do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), bolsonarista ligado à Ala Ideológica do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Na terça-feira (16/02), Silveira foi preso em flagrante e sem direito à fiança pela Polícia Federal (PF) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que no ano passado mandou instaurar um inquérito para apurar as manifestações antidemocráticas acontecidas em Brasília. No dia seguinte à prisão, quarta-feira, os ministros do STF decidiram em plenário por unanimidade apoiar a decisão de Moraes. Na sexta-feira, os deputados, por 364 votos contra 130, optaram pela manutenção da prisão de Silveira durante uma sessão conduzida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, parlamentar do Centrão e homem de confiança do presidente Bolsonaro. Nesses quatro dias, a imprensa passou um “pente fino” na vida do deputado – matérias estão disponíveis na internet. Estou sugerindo aos meus leitores e colegas, principalmente aos jovens repórteres que estão na correria das redações, uma conversa sobre o que publicamos nas entrelinhas das matérias.
Vamos ao que interessa, os fatos. Mas antes vamos entender como as coisas fluem dentro do governo Bolsonaro. Ao redor do presidente existe o Gabinete do Ódio, que tem como membros permanentes os três filhos parlamentares: Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Eles dominam e coordenam a máquina de fake news do governo. Ao Gabinete do Ódio se liga a Ala Ideológica, que é formada por movimentos de radicais, como nazistas, terraplanistas, ocultistas, news evangélicos e outros. E Ala dos Generais do Bolsonaro, em que se perfilam 6 mil militares da ativa, reserva e reformados de várias patentes espalhados pelo governo. E, por último, a ala dos parlamentares do Centrão, que se associaram ao governo recentemente. Os únicos que não são adversários são o presidente e seus filhos. Os demais disputam espaço para estar perto e merecer os afagos de Bolsonaro. E não estão nesse barco por ideologia. Mas por empregos, salários e dinheiro.
O deputado é da Ala Ideológica, que se envolveu nas manifestações antidemocráticas em abril do ano passado – atiraram rochões no prédio do STF, pregaram a volta do AI-5 e fizeram manifestações pedindo o retorno dos militares ao poder na frente do Quartel-General do Exército, em Brasília, com a presença do presidente. O ministro Moraes mandou abrir um inquérito para investigar as manifestações. No fim da segunda semana de fevereiro, Silveira postou um vídeo esculachando vários ministros do Supremo que haviam criticado o ex-comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas. Ele escreveu o livro Conversando Com o Comandante, em que descreve como foram feitos os textos publicados nas redes sociais que advertiam o STF para o perigo que seria conceder habeas corpus para o então ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que havia sido preso pela Operação Lava Jato. Os conteúdos dos vídeos do deputado contra os ministros são dinamite pura. Silveira é ex-soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro, estudante de Direito, foi motorista de ônibus. Ascendeu socialmente quando quebrou uma placa em homenagem à vereadora do PSOL do Rio de Janeiro Marielle Franco, executada por milicianos em 2018 com o seu motorista, Anderson Gomes. E acabou sendo eleito deputado federal. Hoje, como deputado, ele tem uma vida confortável como jamais viveu E o salário que recebe, R$ 33 mil, mais verbas de representação, são um dinheiro que nunca sonhou ganhar. Por que ele arriscaria tudo isso? Ainda mais em um momento que seu chefe, Bolsonaro, enfrenta sérios problemas decorrentes do seu negacionismo em relação à letalidade e à taxa de contágio da Covid-19? Só para tumultuar ainda mais o ambiente? E o que ele ganharia com isso? Daí vem a pergunta que nós repórteres vamos ter que responder aos nossos leitores: ele fez tudo isso da cabeça dele, ou foi mandado fazer? O fato é que o destino do mandato dele hoje passa pelas mãos do ministro Moraes.
O fato é o seguinte. O que Silveira fez colocou à prova a aliança entre Bolsonaro e o Centrão. O Gabinete do Ódio e a Ala Ideológica sabem que o sucesso dessa aliança significa que eles perdem poder junto ao presidente. Até agora, sábado (20/02), o Centrão está se saindo bem. O único que perdeu nessa história toda foi o deputado. Ele vai matar no peito a situação toda e cair calado? Ou vai cair atirando? Bolsonaro foi deputado federal durante quase três décadas. Conhece todos os atalhos da Câmara. E sabe como as coisas funcionam. Silveira é novato nesse mundo e em dois anos de mandato não conseguiu se misturar com os pares. Viveu em um mundo à parte. Mesmo assim conseguiu que 130 colegas votassem a seu favor. Entre esse 130 há muita gente votou porque considera que o ministro Moraes não tem poder para colocar um deputado na cadeia. Portanto, é um precedente muito perigoso, se nada for feito. Outra parte, entre eles 14 dos 31 deputados gaúchos, votou por lealdade ao deputado. Assisti a todo o debate da votação pela TV Câmara. A impressão que fiquei é que esse jogo ainda não terminou. E que nós repórteres precisamos nos aprofundar muito mais nesse episódio para melhor informar ao nosso leitor. A situação do nosso leitor é a de uma pessoa caminhando no fio da navalha. Sem vacinas, a pandemia avança pelo país inteiro. O desemprego cresce. A confusão no governo federal é enorme. Dentro de um ambiente desses, quanto mais informada a pessoa for, mais chance ela tem de sobreviver com a sua família. Essa é a nossa tarefa.
Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas.
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Carlos Wagner é jornalista.