Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
As duas histórias são diferentes e estão separadas por três décadas: a do sargento aposentado da Polícia Militar (do Rio de Janeiro) Fabrício de Queiroz e a de PC Farias. Mas há um ponto comum em ambas e não é a coincidência de terem servido a dois presidentes do Brasil. Vamos aos fatos. Olhamos para 1989, ano que foi um marco na política brasileira, com a realização da primeira eleição direta para presidente da República após a queda do regime militar (1964 a 1985). No primeiro turno, concorreram 22 candidatos. Passaram para o segundo turno Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) e Fernando Collor de Mello (PRN-AL). Collor ganhou com 53,3% dos votos. A campanha dele foi organizada e tinha como tesoureiro o empresário alagoano Paulo César Siqueira Cavalcante Farias, o PC Farias. E sustentava-se em três pilares: luta contra a corrupção, caça aos marajás (funcionários públicos com altos salários) e derrubada da inflação, que fechou 1989 em 1.972,92%.
No final dos seis primeiros meses de governo, começaram a aparecer as primeiras denúncias de corrupção contra PC Farias. Em 1992, um irmão do presidente deu uma entrevista para a revista Veja: “Pedro Collor conta tudo” foi a manchete em letras garrafais na capa. Pedro (falecido em 1996) mostrou onde encontrar as provas que ligavam PC Farias a um esquema de corrupção que desviava o dinheiro usado para pagar as contas da campanha eleitoral e sustentar o extravagante estilo de vida do seu irmão presidente. Com base nas denúncias, a Câmara dos Deputados abriu um processo de impeachment contra Collor. O presidente renunciou ao cargo em setembro de 1992. Assumiu o vice, Itamar Franco. Quatro anos depois, em junho de 1996, PC Farias foi encontrado morto a tiros ao lado da namorada, Suzana Marcolino, em uma casa cercada de coqueiros na Praia da Guaxuma, 10 quilômetros ao norte do centro de Maceió (AL). Há várias versões sobre a morte; uma delas, a de que a namorada atirou em PC e depois se suicidou. Outros acreditam que houve queima de arquivo. Eu estive três vezes na casa, duas a trabalho e uma a passeio. O lugar virou ponto turístico.
Aqui surge o ponto em comum nas histórias de PC Farias e Queiroz. Ao mesmo tempo em que desfilava como o homem que combatia a corrupção e corria atrás dos marajás, Collor estava preso a uma âncora que o ligava à ilegalidade: PC Farias. Collor sabia o que o tesoureiro de campanha fazia usando seu nome? Pelo volume dos casos em que PC estava envolvido, era impossível ao então presidente da República estar a par de tudo, como foi comprovado por documentos. Ou seja: PC Farias não pedia autorização para cometer seus crimes, ele simplesmente os cometia.
Queiroz também é uma âncora que mantém o atual presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido, RJ), preso a um lamaçal. Primeiro a “rachadinha”, nome dado à prática de exigir ilegalmente que o funcionário do gabinete parlamentar deposite parte dos seus ganhos na conta de outra pessoa. O caso aconteceu no gabinete de Flávio Bolsonaro, filho do presidente, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. Hoje, Flávio é senador. Esse dinheiro irrigou as contas bancárias de várias pessoas da família do presidente. Ele também mantém o filho do presidente ligado ao caso do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, morto em 9 de fevereiro em um confronto com a polícia em Esplanada, interior da Bahia. Queiroz e Nóbrega se conheceram quando pertenciam ao 18º Batalhão de Polícia Militar no Rio de Janeiro. Nóbrega chegou a capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), aquele do filme Tropa de elite. Foi expulso e preso no Bope. E, durante a sua prisão, o então deputado Flávio Bolsonaro fez uma homenagem para ele na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Nóbrega era suspeito de envolvimento na execução da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do seu motorista, Anderson Gomes, em 2018, um crime que repercutiu no mundo inteiro. Queiroz pediu autorização de alguém para fazer tudo isso? Nunca vamos saber. A não ser que ele resolva contar a história. PC Farias não contou. Na linguagem dos velhos policiais, pessoas como esses dois são chamados de “operadores do esquema”. Deles são cobrados resultados. Não como fizeram para consegui-los. Isso é outro assunto, como mostraram dezenas de depoimentos de pessoas acusadas de corrupção nos processos abertos pela força-tarefa da Operação Lava Jato. O caso Queiroz é uma espada pendurada sobre a cabeça das pretensões políticas do presidente Bolsonaro. Como foi PC Farias para Collor. É simples assim.
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Carlos Wagner é jornalista.