Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por que é tão difícil chamar a “direita” de “direita”?

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, é uma das figuras da direita brasileira que vem sendo chamada de centro. (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

O ano de 2022 ainda não começou, mas o debate sobre as eleições presidenciais já tomou o noticiário político brasileiro. Levando em conta que a imprensa nacional está sendo obrigada a lidar com a cobertura de uma situação calamitosa na gestão do país, (eu ouvi caquistocracia?), noticiando dia sim e dia também questões extremamente urgentes e absolutamente práticas, talvez pareça “picuinha” querer discutir, logo agora, a escolha de palavras das matérias. Mas juro que não é.

Minha preocupação com chamar a atenção para o absurdo do fato de jornalistas falarem de Sérgio Moro (sem partido) em uma “chapa com perfil de centro”, ou de políticos do DEM/UB e do PSDB como parte do centro, é que muitos dos veículos de imprensa mais influentes estejam colaborando para uma distorção de conceitos políticos muito básicos na cabeça das pessoas. Desde sua fundação em 1985, como PFL, até sua recém confirmada fusão com o PSL, o Democratas (DEM) tem sido provavelmente o único partido consistentemente identificado como de direita durante todo o período de redemocratização, como era de se esperar de quem é fundado majoritariamente por ex-membros da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), o partido que sustentou a ditadura militar de 1964.

A “transformação” do PFL em DEM, em 2007, 2º mandato do governo de Lula (PT), quando a taxa de desaprovação ao governo do PT era de apenas 16,5%, teve claramente a intenção de afastar um pouco a imagem de “partido de direita” em um momento em que parecia que “ser de esquerda estava em alta”. Ainda assim, diferente de outros partidos herdeiros da ARENA, como o PP, o DEM se manteve como oposição durante todo o governo petista. Inclusive quando José Agripino (DEM) assumiu a presidência do partido em 2011, dizendo que “recusava a pecha de direita”, enfrentou oposição dentro do DEM, que talvez fosse o último bastião de uma política abertamente de direita no Brasil (O Brasil 247 cantou a bola d’A direita que não quer ser direita a época). A identificação do DEM como de direita, portanto, não era uma classificação feita apenas por opositores de esquerda, usando o rótulo como uma forma de desqualificação. “Demistas” se classificavam aberta e orgulhosamente de direita.

Então como chegamos nesse ponto em que a nossa imprensa vê sentido em identificar a possível candidatura de Rodrigo Pacheco pelo megazord da direita conservadora criado pela fusão do DEM e do PSL na União Brasil como “Centro”?

Centro é outra coisa

Uma análise política que tenta encaixar partidos, grupos e pessoas em uma linha reta onde alguns estão mais à esquerda e outros mais à direita tem sérias limitações. As diferenças do PSOL para o PT não podem ser explicadas simplesmente como uma diferença no “quão de esquerda” cada um dos dois é. Ainda assim, essa ideia de posições à direita e à esquerda carrega uma série de conceitos muito úteis, como demonstrado na obra do filósofo político Norberto Bobbio, especialmente no livro Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política.

A definição do que é “ser de centro” já foi feita, aqui no Brasil ou fora dele, usando critérios bem diferentes. Alguns deles remetem ao contexto que futuramente daria origem ao conceito de divisão “direita/esquerda” nas democracias representativas ocidentais: as assembleias da Convenção, que aconteceram em Paris durante a Revolução Francesa, onde grupos com propostas completamente divergentes de quais rumos a revolução deveria tomar, se sentavam na ala direita (Girondinos) e na ala esquerda (Montanheses). Entre os dois grupos se sentavam aqueles que, até então, não estavam sistematicamente alinhados a nenhum dos dois, portanto alguém do centro poderia hora apoiar os Girondinos, hora os Montanheses.

A partir dessa noção, um critério possível para classificar um grupo como centro seria que algumas de suas propostas fossem “de esquerda” e outras “de direita”. Sem entrar no espinhoso debate sobre o apoio ao golpe contra o governo de Dilma (PT), a REDE é um exemplo que se encaixa (mais ou menos) bem nesse critério, já que apesar de defender uma série de pautas normalmente consideradas de esquerda, como cotas para grupos marginalizados, uso de ferramentas de democracia direta e combate à indústria de agrotóxicos, também foi lido por parte da imprensa e da população como um partido que apoia, ainda que de forma silenciosa, a manutenção da criminalização do aborto e das drogas. Portanto, se a imprensa falasse de uma “chapa com perfil de centro” para 2022 com Marina Silva (REDE), seria justificável.

Outro critério que pode ser usado para definir o centro com base nessa ideia de oscilação, porém com uma visão negativa, é o fisiologismo. Usando esse critério, partidos de centro teriam como único interesse a perpetuação da influência do próprio partido e o benefício daqueles que o integram, alterando seu apoio a grupos de direita ou de esquerda com base em quem lhe oferecer maiores benefícios em troca. Sob essa lógica, um partido de centro estaria disposto a apoiar qualquer proposta, seja ela de direita ou de esquerda. O erro desse tipo de definição é fácil de perceber, basta olhar para a presidência de Michel Temer (MDB), que apesar de fazer parte do partido que passou a ser tratado pela imprensa como referência máxima em fisiologismo ao longo dos anos, tinha propostas bem definidas para o país, como a redução de direitos trabalhistas. Partidos fisiologistas/adesistas podem apoiar pautas com as quais não concordam em troca de um benefício x ou y, mas em última instância, quando a oportunidade surgir, vão ter suas próprias propostas. Portanto, mesmo discordando dessa classificação, falar de uma possível composição com Temer para 2022 como “de centro”, seria justificável.

Um terceiro critério para classificar um partido como “de centro” que também não faz muito sentido, pois parte de uma ideia neoliberal, portanto de direita, mas que também é comum, é a dos “políticos administradores”. É o tipo de discurso que parece ligado à ideia de “fim da história” do cientista político estadunidense Francis Fukuyama que acabou influenciando a discussão sobre política nas democracias representativas ocidentais e criando espaço para o discurso do “não sou político, sou gestor”. Portanto, falar de sondagens de partidos à bilionária Luiza Trajano como parte dessa “movimentação do centro” seria justificável.

Imprensa que abdica de “dar nome aos bois” desinforma

Apesar de eu ter mencionado a dona do Magazine Luiza no exemplo anterior, essa retórica despolitizadora que defende que a função de quem ocupa cargos políticos é apenas tentar administrar recursos da forma mais eficiente possível, como um gestor em uma empresa, tem o Partido NOVO como seu grande símbolo e campeão. Apesar disso, o próprio presidente do NOVO, João Amoêdo, deu uma das declarações mais esclarecedoras dessa discussão insólita sobre 2022 promovida por parte da nossa imprensa, que insiste em jogar todo mundo que está à direita do PT e à esquerda de Bolsonaro (sem partido) no balaio do “centro”. Em uma entrevista de junho, o banqueiro disse que “a disputa vai ser na construção de um centro à direita”, deixando claro que o NOVO, como partido de direita que é, buscava um candidato de direita para 2022 que não fosse Bolsonaro.

Está bem claro que a direção de alguns dos principais veículos de imprensa do Brasil, como o Estado de S. Paulo, acham ruim a ideia de Lula ou Bolsonaro eleito para a Presidência em 2022 (já estou no aguardo de Uma escolha muito mais difícil: O retorno) e desejam a mesma coisa que o NOVO. O problema não é esse (ou pelo menos não é esse o problema específico pelo qual esse texto foi escrito). Ao pintar figuras como Moro, Dória (PSDB), Huck (sem partido) ou Mandetta (DEM) como “centro”, um veículo de mídia está enganando o público que nele confia, em uma tentativa de colocar essas pessoas como opções moderadas, opondo-os aos supostamente extremistas Lula e Bolsonaro. Esse grande balaio imaginário do “centro” acaba servindo como uma ferramenta auxiliar, que talvez pareça quase inofensiva para alguns dos e das jornalistas que a usam, mas alimenta a desonesta falsa equivalência entre Bolsonaro e Lula. Como se para a intolerância de uma direita neofascista de Bolsonaro que ameaça “fuzilar a petralhada do Acre” ou mandar a oposição para ser assassinada na Ponta da Praia, existisse uma equivalência nas posições de centro-esquerda de Lula.

Moro, Dória, Huck, Mandetta, são figuras de direita, que tem todo o direito de defender suas posições de direita no regime atual, independente do que eu ache desses bolsonaristas arrependidos. O problema é quando jornalistas que deveriam colaborar para fortalecer a educação política da população agem, conscientemente ou não, para distorcer conceitos políticos básicos em prol das visões de seus patrões.

Texto publicado originalmente por objETHOS.

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Vinícius Augusto Bressan Ferreira é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPGJOR/UFSC) e pesquisador do objETHOS.