Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Qual é o tamanho e a influência dos movimentos antivacina no Brasil?

(Foto: Chico Bezerra/Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes)

Por mais que nós jornalistas viremos o rosto para outro lado acreditando, com isso, que não estamos dando palco para os movimentos antivacina venderem as suas ideias, o fato é que eles existem e não sabemos qual é o seu tamanho e muito menos a sua influência na política de saúde pública do país. O que sabemos? Que vivem um raro momento de visibilidade em sua história, graças ao apoio da autoridade máxima do país, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Até o presidente empunhar a bandeira contra os imunizantes a única referência que tinha sobre eles era a Revolta da Vacina, um levante popular que aconteceu no Rio de Janeiro em 1904 contra a vacinação obrigatória para a varíola implantada na cidade por Oswaldo Cruz, que resultou em quebra-quebra e 31 mortes. E alguns artigos sobre a articulação dos antivacina pelos quatro cantos do mundo.

Portanto, é graças a Bolsonaro que hoje os antivacina estão gritando alto no Brasil. Lembro de um fato do qual fui testemunha no final do ano passado. Estava na fila do pão em um supermercado de classe média de Porto Alegre (RS) quando alguém me reconheceu e começamos a conversar sobre política. Uma senhora acabou entrando no papo e acabei puxando o assunto das vacinas. Ela disse que não acreditava em vacinas. Mas tinha tomado as três doses contra a Covid por insistência dos filhos e netos. Perguntei se o marido também tinha insistido com ela na vacina. Respondeu: “Não. Esse, eu já mandei embora há muito tempo”.

Amaneira como ela falou sobre o ex-marido acabou virando risada. E a conversa ficou animada. Foi interrompida pela balconista pedindo para que deixássemos a fila do pão andar. Sempre que falo com alguém sobre vacinas eu lembro do professor de geografia Igor Moreira, que conheci em 1974 no IPV, um curso pré-vestibular que existiu em Porto Alegre. Na ocasião, ele dizia que, graças às vacinas, a média de vida das populações ao redor do mundo tinha aumentado. Bolsonaro sempre se posicionou contra as vacinas. Ficou famosa a afirmação que fez da história de “virar jacaré”. Esse posicionamento do presidente resultou em tragédia, como ficou provado no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid, que encontrou as digitais dele e dos seus ministros na morte de 620 mil brasileiros pelo vírus. Até o mês passado, dezembro (2021), o assunto das vacinas havia perdido as manchetes dos grandes noticiários nacionais por conta do bom andamento da vacinação. Voltou às primeiras páginas com a descoberta de uma nova variante na África do Sul, a Ômicron, e com a liberação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do imunizante da Pfizer para as crianças de cinco a 11 anos. Com a cumplicidade do seu ministro da Saúde, o cardiologista Marcelo Queiroga, o presidente armou uma baita lambança, colocando em risco a vacina liberada para as crianças. Em 24 de dezembro fiz o post “Até onde Bolsonaro vai esticar a corda no caso das ‘vacinas das crianças?” Por interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) e pressão dos parlamentares, incluindo gente da própria base aliada do governo, as vacinas vão ser aplicadas nas crianças. Cabe uma pergunta.

As crianças vão ser vacinadas porque o presidente Bolsonaro e seus ministros se dobraram à pressão dos ministros do STF e dos parlamentares? Não. Eles esticaram a corda até onde conseguiram para fazer barulho e desviar a atenção dos brasileiros dos dois grandes problemas nacionais: a fome e o desemprego. Essa história das vacinas para as crianças é muito dolorosa para os pais. Mesmo assim as autoridades não tiveram a mínima compaixão em armar uma baita lambança usando a autorização da Anvisa para desviar a atenção dos outros problemas. Pergunto o seguinte: nós jornalistas sabemos com exatidão o tamanho e o perfil dos movimentos antivacina no Brasil? Se algum colega sabe, ele ainda não escreveu a matéria. O que nós temos documentado são bandos de lambanceiros fazendo bagunça a soldo sabe-se lá de quem. E o pior de tudo. Distribuindo fake news sobre o assunto. Como repórter foquei a minha carreira em três ramos: conflitos agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras. Para falar sobre esses assuntos é fundamental saber quem é quem e como se organizam e agem os personagens envolvidos. Sem essas informações básicas as afirmações que fazemos ficam soltas no ar. E sempre que não conhecemos com profundidade o assunto com que estamos tratando somos usados para desviar a atenção da opinião pública do problema que realmente interessa.

Ofato é o seguinte. Nós jornalistas precisamos esclarecer quem é quem e como as coisas acontecem dentro dos movimentos antivacina atuando no país. Isso é o mínimo que precisamos ter na mão para garantir uma informação de qualidade ao nosso leitor. Lembro o seguinte. Nenhum parlamentar de peso nacional veio a público defender os movimentos antivacina. O que existe é conversa de bastidores em alguns gabinetes na Câmara dos Deputados e no Senado. A pergunta que se faz é a seguinte. Esse pessoal tem poder de fogo para eleger parlamentares nas próximas eleições? A tradição da vacina entre os brasileiros é antiga e muito forte. Comecei a trabalhar em redação em 1979 e não lembro da vacina ter dividido opiniões entre eleitores. Se acontecer nessa eleição, precisamos estar atentos para não escrevermos bobagens. O assunto é muito sério e não tem margem para erros. E não podemos esquecer que estaremos sob o fogo cerrado das máquinas de disparar fake news.

Texto publicado originalmente em Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.