A ofensiva do governo contra a operação Lava-Jato, agora indisfarçável, tornou complicada a vida de quem acredita em mocinhos e bandidos na política brasileira. De um lado, os que saudaram a ascensão de Michel Temer à presidência em nome da reorganização econômica, e da guerra ao PT, fazem contorcionismo para explicar o que acontece em Brasília. De outro, quem considerava a investigação antipetista e ironicamente concordaria com o ministro Gilmar Mendes sobre as “alongadas prisões em Curitiba”, agora vê-se na obrigação de defender a investigação. Veículos e profissionais da imprensa não ficam de fora, especialmente os que, se não endossaram Temer e companhia, relativizaram as intenções do grupo que assumiu o poder.
O presidente Temer precisa deter a operação em curso no PMDB destinada a abafar a LavaJato se não quiser entrar p/a a lata de lixo da história
— Ricardo Setti (@ricardosetti)
O jornalista Ricardo Setti, que passou por algumas das principais redações brasileiras, sintetizou nesta frase um wishful thinking bastante presente entre analistas políticos brasileiros – não por acaso a afirmação foi retuitada por vários deles. A operação-abafa em curso precisa ser do PMDB, e não do governo. Ainda que, por obra da caneta presidencial, o eloquente Alexandre de Moraes, cuja gestão no Ministério da Justiça será lembrada por carnificinas medievais, esteja em pleno beija-mão de senadores encrencados com a Lava-Jato rumo ao Supremo Tribunal Federal. Ainda que Moreira Franco, o preferido dos delatores, tenha alcançado o foro privilegiado graças a uma medida engendrada no principal gabinete do Planalto. E ainda que existam menções explícitas a Michel Temer nas primeiras delações da Odebrecht vazadas à imprensa. Quem coordena o torniquete à Jucá são sombras peemedebistas inominadas. Nunca o presidente.
Chega a ser curiosa a surpresa de repórteres experimentados, como Gerson Camarotti, para quem “Brasília perdeu o pudor”.
“Como isso é possível? Dez dos 13 senadores investigados na Lava Jato estão na CCJ, que vai sabatinar indicado pelo STF”.
— Gerson Camarotti (@gcamarotti)
Ou a reação de Ricardo Noblat à escolha do senador Edison Lobão (PMDB) para presidir a mesma Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que avaliará Moraes: “Foi exorbitância, desacato, desplante, sem-vergonhez, descaramento, ultraje, afronta, desfaçatez, cinismo, prepotência, atrevimento e arrogância a indicação feita pela bancada do PMDB do nome de Edison Lobão (MA) para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ)”.
No Estadão, Eliane Catanhêde repreendeu Moraes pela noitada com senadores em uma embarcação luxuosa. Não porque fosse absurdo e incompatível, mas porque ele poderia dar munição à oposição:
“Moraes foi indicado por Temer para o STF sob críticas, por ser então ministro da Justiça e filiado a um partido político, o PSDB. Logo, como já dito neste espaço, ele não apenas tem de ser, mas também tem de parecer honesto, independente, impecável. Dos senadores presentes não se espera muito, mas ele não deve falar um “A” além do necessário, não se expor um tico além do obrigatório, não deixar a mínima brecha para questionamentos da oposição e da opinião pública. Chalana? Pré-sabatina? Com integrantes da CCJ? Faltou prudência ao candidato à toga.”
O tom de espanto e condescendência, que em alguns momentos evolui para torcida, explica-se pela situação em que publicações (tome-se por exemplo o editorial do Estadão apoiando a indicação de Moraes) e jornalistas se meteram. Ao apontarem para Jucá, Lobão, Cunha e donos de chalanas em geral, preservam o que consideram positivo no governo de Michel Temer: as decisões no campo econômico patrocinadas pelo presidente. Coincidência ou não, o Planalto escolheu disparar contra Curitiba justamente num período de alívio na inflação, redução de juros e perspectiva de liberação do FGTS para milhões de trabalhadores. Assim, o “país com rumo” (de novo o Estadão) pode se dar ao luxo de considerar caixa 2 um crime menor, de livrar partidos encrencados com a Justiça Eleitoral, e, ao que tudo indica, estancar a sangria antes que atinja detentores de foro privilegiado ou, quem duvida?, o Judiciário.
Admitir o caráter premonitório do célebre grampo de Romero Jucá, a essa altura, significa reconhecer em Temer o líder do PMDB que ataca a Lava-Jato, o que implica arriscar seu governo e os parcos sinais de estabilização econômica. Significa dar ao governo atual o tratamento que recebeu o anterior em tentativas muito semelhantes de pressionar os investigadores e livrar aliados de condenações. Nesta hipótese, seria necessário encarar os fatos de frente: em Brasília, há pouca gente interessada em fazer a lei prevalecer.
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Evandro de Assis é jornalista e mestrando em Jornalismo no POSJOR e pesquisador do objETHOS /UFSC/ SC