Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
“Não se constrói uma democracia por decreto. Ela é um processo que tem os seus avanços e seus recuos diários. Mesmo nas democracias consolidadas, como a dos Estados Unidos, de tempos em tempos surgem movimentos que sacodem o país, como foi a rebelião estudantil de 1968 contra a participação americana na Guerra do Vietnã. A luta pelo poder político entre Bolsonaro e Lula não vai incendiar o país.” O texto é um resumo de uma conversa que tive com um repórter americano que vive no Japão e que conheci no final dos anos 1980 durante as coberturas de conflitos agrários no interior do Rio Grande do Sul. “E se colocar fogo?”, perguntei ao colega. Ele respondeu: “Chama os bombeiros”.
Relatei a conversa porque é do perfil da imprensa brasileira ver o caos em situações como essa, causada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de determinar que o cumprimento de uma pena deva acontecer somente depois do trânsito em julgado do processo. A decisão favoreceu o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), que foi condenado pelo então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR), onde fica o coração da operação Lava Jato. No ano passado, a condenação foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre (RS). Moro deixou a carreira de juiz para se tornar ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro. E o site The Intercept Brasil vem publicando conversas mantidas pelo aplicativo Telegram entre Moro e os procuradores da República que trabalham na Lava Jato, mostrando que houve manipulação no caso Lula.
Isso significa que Lula tem contas a ajustar com Moro. Antes de seguir contando a história, alerto meus colegas, principalmente os jovens que estão na correria das redações, que a cobertura do que irá acontecer no país estará repleta de cascas de banana espalhadas pelo caminho. Portanto, vai exigir de nós um conhecimento aprofundado dos fatos. Não é fácil. Mas é possível ir trocando figurinhas – jargão usado pelos repórteres para a troca de informações entre os colegas. O que aprendi nesse tipo de cobertura? Para responder a essa pergunta, vou voltar a contar a história.
A primeira coisa à qual se deve ficar atento é ao sentido das palavras usadas: generaliza-se o fato ou se dá um foco específico. Por exemplo. Na sua primeira fala após sair da prisão, Lula falou da “banda podre do Ministério Público Federal, a banda podre da Polícia Federal e a banda podre da Justiça Federal”. Ele não ofendeu as instituições. Mas as pessoas que fazem parte delas e cometeram ilícitos no seu caso, cujos nomes constam das reportagens do Intercept. No sábado (9/11) pela manhã, o presidente Bolsonaro postou nas suas redes e os jornais republicaram um post em que ele diz que “não podemos dar munição para o canalha”. Claro que se refere a Lula. Mas não menciona o nome do ex-presidente. São detalhes que, se não forem percebidos, podem causar um grande dano à qualidade da reportagem.
Tudo indica que os ataques serão cirúrgicos. A generalização vai ficar por conta das redes sociais. Aqui, chamo a atenção dos meus colegas. Há blogs e sites sérios que forçam o título das matérias em busca dos cliques. Portanto, é sempre bom ler todo o conteúdo para ver se fecha com a manchete. Há outro fator: as manifestações populares. O que mais dá rolo é a participação de infiltrados, que estão ali por dois motivos: o primeiro é causar confusão e desqualificar o ato político. E o segundo é se misturar à multidão e usar a confusão para saquear o comércio. Lembro que, durante as décadas de 1980 e 1990, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) fez muitas grandes manifestações e a maior preocupação sempre era com os infiltrados. Ao longo do tempo, o MST desenvolveu tecnologia para lidar com esse problema.
A maciça presença do movimento junto a Lula em Curitiba é um sinal de que o MST vai ajudar na organização das manifestações. Também estive na cobertura das manifestações populares de 2013, que entraram para a história como o Movimento dos 20 Centavos. A manifestação foi destruída pela infiltração de saqueadores. Sobre as manifestações populares, lembrem que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, falou durante uma entrevista sobre editar novamente o AI-5 para contê-las. O AI- 5 foi editado, no tempo da ditadura militar (1964 a 1985), para cassar parlamentares, prender manifestantes e cometer outras ilegalidades. Claro, ele recebeu pedrada de todos os lados, inclusive do pai dele. Mas será que falou por falar?
A respeito do acerto de contas de Lula com Moro. Entre dez frases que Lula pronunciar contra o governo Bolsonaro, em 50% vai citar o ex-juiz. Vai bater em duas teclas: o fato de Moro ter abandonado a carreira e virado ministro do governo e as denúncias do Intercept que demonstram que o ex-presidente não teve um julgamento justo. Não é por outro motivo que Bolsonaro tem dado declarações enaltecendo o ministro da Justiça desde que Lula foi solto. O que falei aqui não é opinião. São dicas aos repórteres jovens que vão estar no meio do fogo cruzado. São eles os formadores da opinião pública porque o seu material fica sendo repetido várias vezes nos noticiários. E, pela grande carga de trabalho, eles não têm tempo de cruzar informações. Tempos interessantes vêm por aí, podem anotar.
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Carlos Wagner é jornalista.