Pressionada pela necessidade de atender à extraordinária demanda de dados, fatos, opiniões e eventos relacionados à pandemia do Coronavírus, a imprensa mundial raramente teve tempo para olhar o próprio umbigo, e quando o fez, a sensação foi parecida a de um doente que recebe a pior notícia.
No meio do turbilhão de notícias sobre a Covid 19, pouca gente conseguiu perceber como piorou a situação financeira dos jornais, como as redes sociais ficaram ainda mais fortes, como as pessoas se tornaram frenéticas na cobrança de informações, como os jornalistas mergulharam num mar de incertezas noticiosas por conta da desorientação de cientistas e pesquisadores e como os governos se aproveitaram deste caos para semear a discórdia e a as teorias conspirativas.
O futuro da imprensa já era sombrio antes da pandemia mas ficou ainda mais depressivo quando o Coronavírus deflagrou uma onda mundial de confinamentos, quarentenas e proibições que geraram um desaquecimento brutalmente rápido e intenso das atividades econômicas. Se as receitas de publicidade que alimentam o orçamento da maioria dos jornais já estavam em queda, depois do início da pandemia elas começaram a virar fumaça.
Surgiu um monumental paradoxo: as pessoas buscando desesperadamente mais informações mas quem produz este artigo valorizadíssimo nas atuais circunstâncias tem cada vez menos base financeira para produzi-lo. Só não surgiu um fosso entre a demanda e a oferta noticiosa porque as redes sociais virtuais avançaram ainda mais no território antes dominado pela imprensa escrita e audiovisual.
Um avanço que não foi isento de gravíssimos problemas. O maior deles é a mudança dos parâmetros usados até agora na percepção pública do que é notícia, do que é jornalismo e do que fazem os jornalistas. Quando as pessoas comuns começaram a publicar informações, emitir opiniões e participar da arena pública de debates tornou-se cada vez mais difícil a aplicação dos conceitos tradicionais de notícia e de jornalismo. Hoje quando você entra numa rede social você tem que fazer, por conta própria, a diferenciação entre o que é fato, versão, opinião, meia verdade ou mentira. No ambiente caótico de uma pandemia, uma diferenciação como esta é uma missão quase impossível.
A agonia financeira
Pelo lado dos jornalistas e da indústria do jornalismo, os prognósticos não são menos sombrios. Talvez até mais. O problema não é falta de material para publicar, mas sim a agonia financeira que contamina as empresas jornalísticas numa velocidade e intensidade similar ao do Coronavírus. Nada menos do que 15 grandes empresas jornalísticas do país decidiram cortar em 25% os salários de seus funcionários, o que azedou enormemente o clima em redações já preocupadas com seu futuro profissional. No exterior, a situação é igualmente complicada. O Los Angeles Times, cortou 20% dos salários de todo seu pessoal das redações e correspondentes. A revista digital Vice demitiu toda sua equipe no Brasil e reduziu 5% de sua força de trabalho no mundo inteiro.
A primeira semana de maio foi simplesmente caótica nas redações norte-americanas. Nada menos que 330 empregos foram eliminados, a grande maioria em sites jornalísticos na internet. Um dos cortes mais dramáticos foi no projeto Quartz, pertencente a um conglomerado japonês que fechou quatro escritórios no exterior e mandou embora 88 jornalistas altamente qualificados em produção online. Nem mesmo a respeitada revista inglesa The Economist escapou do “passaralho”. Noventa jornalistas engrossaram as fileiras do auxílio desemprego. E a Condé Nest, dona de títulos como Vogue, Wired, GQ e New Yorker, rompeu o contrato com 100 jornalistas, alguns deles veteranos com mais de 20 anos de casa.
Extinção da imprensa?
O jornalismo local está sendo especialmente atingido pelos efeitos econômicos da pandemia do Coronavírus devido à redução generalizada das receitas com publicidade paga, que já haviam diminuído em mais de 50% nos últimos três anos. O ritmo de fechamento de jornais locais assusta porque isto representa a ampliação dos “desertos” noticiosos no Brasil, onde segundo o projeto Atlas da Notícia, 62,6% dos municípios não têm nenhum jornal, revista, emissora de rádio ou TV. Esta semana o octogenário Correio Lageano de Lages, em Santa Catarina, jogou a toalha e fechou as portas.
A situação da imprensa no mundo inteiro chegou a um tal ponto de incertezas e indefinições que a prestigiada organização filantrópica Luminate, criada pelo empreendedor Pierre Omidyar, previu que a pandemia do Coronavírus “pode se tornar um evento que marca a extinção da imprensa”. Pierre Omidyar é o fundador do site eBay de comércio eletrônico. Ainda é cedo para dizer se o prognóstico da Luminate vai se tornar realidade, mas a preocupação é cada vez maior sobre o que sobrará para o jornalismo depois que a Covid 19 perder seu ímpeto atual.
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Carlos Castilho é jornalista, graduado em mídias eletrônicas, com mestrado e doutorado em Jornalismo Digital e pós-doutorado em Jornalismo Local.