Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O general Pazuello, da Saúde, é o ministro biônico do presidente Bolsonaro

Foto: Marcos Corrêa/Agência Brasil

O desempenho do general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, na reunião com os governadores na terça-feira (08/12) sobre a vacina para a Covid-19 deixou uma coisa bem clara. Ele não estava ali para ouvir e negociar com os governadores a compra das vacinas pelo governo federal e o calendário de vacinação. Foi informar a posição do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), sobre o assunto, que é essencialmente uma conversa vazia — há várias matérias na internet. Não estava ali para dialogar, como é a função de um ministro. A última vez que ele tentou negociar foi em outubro, em uma reunião com os secretários de Saúde dos estados. Foi humilhado publicamente pelo presidente e a resposta do general entrou para a história do país: “É simples assim, um manda e outro obedece”. Desde então ele se perfilou entre os ministros biônicos. Para o colega repórter e o leitor não tão velhos como eu, com meus 70 anos de idade, 40 e poucos fazendo reportagens, a expressão biônico foi cunhada pela imprensa nos anos 70, durante a ditadura militar (1964 a 1985). Na época, o governo militar nomeava prefeitos, governadores e senadores. E havia um seriado na TV chamado O Homem de Seis Milhões de Dólares. A ficção era sobre um piloto americano, o coronel Steve Austin, que sofreu um acidente, teve partes do corpo substituídas por peças biônicas e ficou superpoderoso.

A imprensa apelidou de biônicos aqueles que foram colocados nos cargos para obedecer as ordens do presidente. Nos países democráticos, a função dos ministros é ser um negociador entre o governo e a sociedade. Não um porta-voz da vontade presidencial. No governo Bolsonaro, eles estão espalhados pela máquina administrativa e política. Entre os mais conhecidos estão: Ricardo Salles, do Meio Ambiente, Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos, Onyx Lorenzoni, da Cidadania, e Pazuello, da Saúde. Há duas regras para os ministros de Bolsonaro: nunca ser mais popular que o presidente e jamais desobedecer as ordens dele. A lista dos demitidos é longa e cheia de gente importante, como o ex-juiz federal da Operação Lava Jato Sergio Moro, que foi ministro da Justiça e Segurança Pública. Foi substituído pelo biônico André Mendonça. Até agora esse modelo de ministro só espalhou confusão pelo país, como por exemplo a aceleração da devastação da Floresta Amazônica.

No caso da Saúde, a situação poderá ficar bem complicada. Pelo seguinte: na reunião com os governadores, Pazuello disse que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) precisará de 60 dias para decidir sobre a validade de uma vacina. Até as pedras das ruas do Brasil sabem que há uma disputa política entre duas vacinas: a de Bolsonaro e a do governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP) — há matérias na internet. Nesta terça-feira (08/12), os britânicos começaram a ser vacinados. Logo outros países, incluindo vizinhos do Brasil, começarão a vacinar as suas populações. Os brasileiros não ficarão de braços cruzados enquanto outros países imunizam seus cidadãos. Os 60 dias que ministro disse que a Anvisa precisa para validar as vacinas significam mais 36 mil mortos e 178 mil infectados. Hoje, o Brasil já soma 180 mil mortos pelo vírus. O que o ministro não disse é que o Brasil tem acordos com várias agências reguladoras de outros países, como as dos Estados Unidos e da China. O que significa isso? Se as vacinas forem validadas lá, elas podem serem usadas aqui. Por que preferiu simplesmente falar em 60 dias? Simples. Ele foi mandado falar assim. Bolsonaro tem duas opções: negociar diretamente com os governadores. Ou colocar alguém que tenha poder para negociar. Caso contrário, provocará uma onda de manifestações populares como jamais se viu neste país.

Nos últimos nove meses as pessoas ouviram que a única solução para a pandemia da Covid era a vacina. A solução surgiu e o Brasil tem a chance de começar a vacinar logo a população. A disputa política entre Bolsonaro e Doria faz parte do jogo. O que não faz é o presidente usar a máquina administrativa do governo federal em seu favor nessa disputa. E também espalhar fake news sobre o assunto. Um alerta para os meus colegas, os jovens repórteres que estão na correria da cobertura do dia a dia das redações. O que vai acontecer na questão das vacinas é difícil de prever, porque há muitas condicionantes envolvidas. Mas seja lá qual for o desfecho, eu alerto para as cascas de bananas espalhadas pelo chão, à espera de que um repórter pise em uma delas e publique uma bobagem. No meio dessa confusão o único farol que os nossos leitores têm para saber o que realmente está acontecendo são as nossas matérias. É para isso que a imprensa livre serve. Não vamos decepcionar o nosso leitor.

Texto publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.