Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A aposta da Globo no jornalismo de serviço contra o coronavírus

(Foto: José Cruz/Agência Brasil)

A Globo deixou claro que tinha dois grandes objetivos para promover a blitzkrieg de informações sobre o coronavírus em sua programação jornalística do último domingo: posicionar-se como referência no fluxo de notícias sobre a pandemia e, simultaneamente, nocautear a CNN no dia em que a concorrente entrou no ar. A estratégia global deu certo. Só não se sabe qual das duas ações rendeu mais dividendos.

A estreia da CNN foi infeliz porque a emissora se agarrou em Bolsonaro como grande garoto-propaganda justo no dia em que o inquilino do Alvorada deu um péssimo exemplo ao contrariar tudo o que o seu ministro da Saúde (e ele próprio) havia dito na véspera sobre prevenção de contágio na pandemia do coronavírus. O presidente foi criticado por quase todo o establishment político de Brasília e deixou seus ministros numa tremenda saia-justa. O mais preocupado deve ter sido o titular da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que, a essa altura do jogo, deve estar conjeturando sobre sua opção ministerial.

A decisão da Globo de apostar fundo no jornalismo de serviço às vésperas de uma previsível escalada nos casos de contaminação pelo coronavírus no Brasil não perde credibilidade pelo fato da opção editorial ter sido usada como arma contra uma emissora concorrente. O jornalismo da Globo preencheu um vácuo de liderança no momento em que os brasileiros precisam de referências que lhes ajudem a tomar decisões bem difíceis durante a crise. A emissora mudou sua programação tanto na TV aberta como na fechada (GloboNews), ampliando os horários e a frequência de sua programação jornalística.

O normal seria esperar que o presidente da República fosse essa referência, mas é preciso reconhecer que estamos sendo governados por uma pessoa imprevisível, incontrolável e movida por um ego populista capaz de levá-lo a decisões catastróficas. Não temos um líder em quem confiar e seguir. Resta a cada um de nós tomar as decisões por conta própria – o que se, por um lado, é ruim pela falta de orientação centralizada, por outro é bom porque vai nos acostumar a não depender mais de quem estiver com a faixa presidencial.

A ausência de liderança institucional é ainda mais crítica quando se sabe que, num caso como o da atual pandemia, a informação é, mais do que nunca, chave no esforço para reduzir ao máximo o número de vítimas fatais do coronavírus. E foi aí que a Globo percebeu claramente qual é o seu papel na conjuntura nacional, onde os problemas de saúde se somam a desafios econômicos e políticos.

Há uma unanimidade entre os especialistas em saúde pública de que, sem informação, é impossível superar a pandemia do coronavírus. Isso coloca a imprensa e os jornalistas no centro da crise e aumenta o papel da comunicação no desenrolar dos acontecimentos. Pode ser que a Globo tenha pensado apenas em esmagar a CNN logo de cara, mas isso não tira o mérito de ter resolvido apostar fundo no jornalismo na hora em que a atividade se torna mais necessária para uma população assustada e desorientada.

O que falta, agora, é o envolvimento direto do jornalismo local com o esforço de informar a população. A Globo fez o que ela sabe fazer melhor, dar a visão global (perdão pelo trocadilho), mas falta o detalhe local. É essencial dar instruções gerais, mas as pessoas nas pequenas e médias cidades ainda não sabem para onde ir se suspeitarem que foram contaminadas. Já sabem que é preciso evitar a corrida aos hospitais, mas ignoram quais as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e Unidades Básicas de Saúde (UBSs) disponíveis em seu bairro, cidade ou região. Já ouviram falar de isolamento doméstico, mas não sabem como isso deve ser feito em casa. Um exemplo simples: quem vive sozinho ou mora com um idoso, o que deve fazer? São perguntas simples, mas que alguém precisa esclarecer. Este é o papel do jornalismo local.

***

Carlos Castilho é jornalista profissional, graduado em mídias eletrônicas, com mestrado e doutorado em Jornalismo Digital e pós-doutorado em Jornalismo Local.