Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A seletividade das informações e contextualizações na cobertura jornalística dos efeitos do covid-19 na economia

(Foto: Pixabay)

A pandemia provocada pelo coronavírus (covid-19) e anunciada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) tem trazido à cena uma maior participação dos meios de comunicação mais tradicionais, como jornais, rádios e, principalmente, TVs. E isso ocorre por razões óbvias ligadas às melhores e mais antigas e enraizadas estruturação e organização dessa grande mídia.

Somado a esses motivos que, naturalmente, trariam a mídia tradicional ao foco da lente das comunicações, há também um significativo desgaste experimentado pelos novos veículos informativos apelidados de redes sociais, embora deem, em larga medida, vazão a conteúdos até mesmo antissociais. É que os sistemas, plataformas e programas – hoje mais conhecidos por aplicativos, como Facebook, Instagram e WhatsApp -, por contarem com frágil estrutura de filtros e estarem mais voltados a entreter pessoas e as manter conectadas e consumindo, têm servido de passarela para o desfile de opiniões descoladas de qualquer realidade ou lógica, agressividades e, pior ainda, notícias falsas, que, no estrangeirismos sempre ligado ao tema, foram popularizadas como fake news.

Esse desgaste da mídia digital está sendo muito bem aproveitado pela grande mídia, principalmente pela TV, que tem se dedicado com muita qualidade a informar sobre a pandemia do coronavírus, sobre cuidados, prevenção e número de casos por todo o planeta. E essa oportunidade de retomar espaço e credibilidade tem sido reforçada por pesquisas, muitas encomendadas, divulgadas e comentadas pela própria TV, que revelam o quanto a população acredita muito mais na mídia tradicional do que nas plataformas digitais em momentos como este.

Nesse sentido, a pesquisa do Datafolha realizada entre os dias 18 e 20 de março aponta essa crescente credibilidade da grande mídia, em que as TVs lideram a confiança da população quanto às informações da pandemia com 61%, seguidas dos jornais impressos com 56%, enquanto o WhatsApp e o Facebook amargam apenas 12% dessa confiança.

Mesmo sabendo da importância de contar com conteúdos informativos mais precisos e confiáveis no dia a dia e, principalmente, em épocas como esta em que um vírus tem adoecido e matado, até agora, milhares de pessoas pelo mundo, é certo que o resgate da confiança nessa grande mídia representa, por outro lado, nítida ameaça por causa dos estragos que ela tem provocado nas esferas social, política e econômica do Brasil. Não se pode esquecer como essa mesma mídia tradicional atuou e ainda vem atuando, atendendo aos interesses do capital especulativo e da banca rentista, nas alterações normativas (emendas à Constituição e leis) que têm agravado as dificuldades por que passa o país.

Todas essas apressadas e oportunistas alterações legislativas que, mesmo deformando ou demolindo, foram batizadas de reformas, contaram com decisivo apoio da grande mídia. Foi a imprensa – e fortemente a TV – que, nessa era Michel Temer-Jair Bolsonaro, defendeu que o teto do gasto (aprovado no final de 2016) era para diminuir a preocupante relação dívida/PIB, como também que esse teto garantiria serviços públicos, que hoje faltam muito mais.

Essa mesma mídia tradicional foi quem difundiu a mentira de que a reforma trabalhista e a terceirização iriam gerar mais empregos – e o efeito foi muito mais desemprego, insegurança funcional e informalidade. A mídia também ajudou a incutir na psicosfera social que a reforma da Previdência iria garantir a sustentabilidade do sistema de aposentadorias, e hoje ele se encontra em plena rota de falta de sustentação. Divulgava que era para atrair investimentos e gerar empregos, e os investimentos que chegaram foram para a especulação e o ganho fácil do capital vadio e improdutivo; por isso mesmo, sem gerar empregos nem fazer crescer o PIB.

Foi essa mesma grande mídia que assistiu calada ao desmonte da cultura, cujo ponto mais visível e difícil de esconder foi o fechamento, a exclusão do ministério da Cultura. Ela quase nada divulgou sobre os inacreditáveis 439 novos agrotóxicos, verdadeiros venenos, que o Brasil liberou em 2019 atendendo à ganância suicida do lucro a qualquer custo. Essa mídia também tem falado menos sobre o enorme crescimento de feminicídios que, em 2019, primeiro ano de um presidente com discursos notadamente machistas e misóginos, cresceu 7,3%.

Agora, a mídia tradicional – em especial a TV – informa com mais cuidado e verdade sobre a pandemia do coronavírus e, por isso mesmo, cresce na confiança do povo. Porém, continua atuando de modo seletivo, com precisão cirúrgica no que informa, contextualiza, compara e massifica. Pois alerta, salienta e critica o presidente Jair Bolsonaro quando ele age irresponsavelmente e na contramão do mundo em relação às medidas ligadas à saúde da população, mas não comenta nada quanto às equivocadas medidas e ideias no campo econômico, defendidas e proferidas por esse mesmo incauto presidente e seu atrapalhado governo.

Nesse sentido de contextualizar e comparar de forma seletiva, o que na prática resulta em ofuscar a verdade dos fatos e esconder suas inevitáveis consequências, a grande mídia tem conseguido a façanha de, durante a exibição de um mesmo telejornal, mostrar os absurdos cometidos pelo presidente da República na área dos cuidados com a saúde pública e a contaminação com o coronavírus, inclusive comparando-o com diversos presidentes e chefes de Estado, utilizando trechos de pronunciamentos, traduções simultâneas, gráficos e tabelas, mas nada, nada mesmo, comenta nem compara com nenhum outro país quando o assunto são as equivocadas medidas econômicas brasileiras de reduzir salários, sufocando o consumo e abafando e garroteando ainda mais a economia produtiva (produção, comércio e prestação de serviços).

E para fazer essa comparação e contextualizar com as medidas já anunciadas ou tomadas pelos diversos países, tudo está à disposição e os próprios telejornais divulgam as ações dessas nações para atenuar os danos às suas economias. Países de todos os continentes e de graus de desenvolvimento econômico e social maiores ou menores que o Brasil têm adotado soluções econômicas de injeção de dinheiro na sociedade para fazer a roda da economia não girar tão lentamente e poder voltar a rodar mais forte na sequência. Até os Estados Unidos, modelo de neoliberalismo tão admirado e utilizado pelo presidente Jair Bolsonaro e seu guru Paulo Guedes, injetarão quase 2 trilhões de dólares em socorro aos estadunidenses.

Se as projeções se confirmarem, os Estados Unidos, mesmo amenizando os prejuízos econômicos a partir das medidas de injeção de recursos na sociedade, mostrarão ao mundo que uma infecção que combine o vírus da cepa do novo corona com a bactéria da ideologia neoliberal tem um elevado potencial de letalidade. Lá nos EUA, como não existe sistema de saúde pública como o nosso SUS, a dificuldade de fazer testes e de internar pessoas certamente encontrará um lugar perfeito para a disseminação do coronavírus e para a morte em grande escala.

Diante desse cenário de abordagens seletivas, sempre antenadas com os interesses dos donos do dinheiro e do poder no Brasil, a mídia tradicional continuará agindo feito morcego: mordendo e assoprando, mas sempre sugando o que lhe interessa. Continuará apoiando a retrógrada e obsoleta pauta econômica desse tonto governo, mesmo sabendo que o resultado é o caos, já que isso cumpre a vontade do capital especulativo e da banca rentista. Por outro lado, seguirá criticando a mofada pauta de costumes de um presidente e poucos apoiadores que esmagam a ciência, o conhecimento, a arte e a cultura para tentar retroceder o país a algum período da era medieval, em que a terra era plana e as mulheres, os negros e os índios não eram nada.

Mesmo nesse momento mais arriscado por causa de uma pandemia que realmente mata e já acumulados muitos elementos fáticos que poderiam fazer Jair Bolsonaro balançar ainda mais e frear seus atos e pronunciamentos absurdos, a grande mídia só deve intensificar os ataques e retirá-lo do poder após a aprovação dessa desastrosa agenda econômica que tanto interessa aos seus maiores anunciantes: bancos e empresas que passaram, nessa alavancada do capital improdutivo, a ganhar mais na tesouraria do que no chão da produção ou no balcão de vendas.

Veja-se, por exemplo, que a fala do presidente em cadeia nacional, em 24 de março, já seria suficiente para a mídia passar a alertar sobre o limite da verborragia palaciana. Questionar até onde vai a imunidade formal jurídica do presidente e onde começa a ser atacada a imunidade biológica da população por conta do que fala esse mesmo presidente. Será que as palavras de Jair Bolsonaro podem configurar a prática do crime previsto no art. 268 do Código Penal: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”?

Há sempre um momento ou uma situação que facilita identificar se o sujeito é homem ou ainda menino. Com os governos, não é diferente, e a condução do Brasil diante do problema do coronavírus tem revelado, fartamente, a total infantilidade e incapacidade do atual, especialmente do próprio presidente Jair Bolsonaro. O momento exige diálogo, trabalho, união, e compromisso com o Estado, mas o presidente não é dado ao diálogo, fala mais do que trabalha, aposta sempre na desunião e na divisão e entende que o Estado (que atende a população nos hospitais e mantém os serviços essenciais funcionando) é algo que atrapalha e precisa ser extirpado.

Pudéssemos contar com meios de comunicação mais comprometidos com o Brasil e nosso povo, a hora era a de mostrar a importância da formação de um grupo com profissionais das áreas de saúde, educação, direito, comunicação, cultura, economia e segurança para assessorar os governadores, que têm demonstrado muito mais zelo, dedicação e responsabilidade no combate ao coronavírus e suas consequências sanitárias, sociais e econômicas.

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Carlos Cardoso Filho é vice-presidente da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais (Fenafim), coordenador-geral da Associação Pernambucana dos Fiscos Municipais (Apefisco), auditor tributário do Fisco Municipal do Ipojuca (PE), professor de Direito Tributário, engenheiro civil (UNICAP), bacharel em Direito (UFPE) e pós-graduado em Direito Administrativo (UFPE).