Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Qual é o papel do jornalismo na ideologização do confinamento?

(Foto: Reprodução Twitter Jornal Extra)

Numa crise como a provocada pela pandemia do coronavírus, o papel do jornalismo é apenas informar ou também orientar? Essa é a dúvida que muitos profissionais têm, mas a resposta ainda não é consensual, porque a linha divisória entre as duas funções é tênue e, às vezes, até contraditória.

Desde o final de janeiro, a imprensa mundial está envolvida full time na cobertura da covid-19 numa conjugação de esforços raramente vista nos últimos 120 anos. O protagonismo da imprensa é tão intenso que, em alguns países e em alguns segmentos sociais, já há sinais de saturação. A pandemia é, ao mesmo tempo, uma benção e uma tragédia para muitos órgãos da imprensa pelo mundo afora.

Mas o que mais perturbou a vida da imprensa e dos jornalistas foi a complexidade da pandemia, que não é apenas uma doença ultra contagiosa, mas também o estopim de crises na área política, na economia, na sociedade e até em setores como o esporte. A perplexidade contaminou também os tomadores de decisões sobre os eventos esportivos, como no caso das Olimpíadas de Tóquio, de eventos culturais, eleições e dos calendários escolar e acadêmico.

Mais grave ainda é a ideologização do confinamento, na medida em que as bases clínicas e científicas para a prevenção da pandemia foram contaminadas pelo passionalismo político. Trata-se de uma distorção grave, porque as bases para a tomada de decisões sobre o coronavírus são substituídas pelo confronto ideológico, podendo levar a situações irreversíveis e potencialmente catastróficas. A insanidade passa a condicionar atitudes tanto do presidente como de seus seguidores.

Nesse quadro que vai da ausência de informações e da desinformação até a ideologização das questões médicas, o desafio enfrentado pela imprensa e pelos jornalistas é como cumprir a missão de dar às pessoas elementos para proteger a saúde de cada um e do conjunto da sociedade. A tarefa de publicar dados, fatos e eventos precisa ser complementada pela necessidade de contextualizar essas informações, porque os significados são tão importantes quanto os fatos para um leitor, ouvinte, telespectador ou usuário da web.

A herança do passado

Quando o confinamento tanto pode ser uma defesa contra um vírus altamente transmissível quanto a adesão a uma ideologia ultraconservadora, os significados passam a ser transcendentes para qualquer indivíduo. Numa situação como essa, cabe ao jornalismo desenvolver significados, o que, na prática, é orientar as pessoas para permitir que elas tenham mínimas condições de ver questões como a quarentena e o distanciamento social como elas realmente são, independente das paixões e partidarismos políticos.

Num país como o Brasil, onde a informação pública ainda é uma “sopa” de dados descontextualizados, de notícias falsas, significados distorcidos e de omissões, tudo um caldo de crescente complexidade interpretativa, a missão do jornalismo é cada vez mais difícil, pois não se trata mais de apenas aumentar a oferta informativa, e sim de orientá-la. O maior obstáculo a essa tarefa são os princípios de isenção e objetividade, embutidos no cotidiano jornalístico há quase dois séculos.

Ambos são herança dos tempos em que a informação era escassa por causa de limitações tecnológicas. Mas agora, na era digital, há excesso e uma enorme diversificação de dados, fatos e eventos que tornam a atribuição de significados algo absolutamente central na atividade jornalística. Atribuir significados não é simplesmente distribuir adjetivos e comparações, mas um trabalho intelectual complexo que exige um preparo crescente dos jornalistas.

A resposta para a tarefa de informar e orientar é cada vez mais complexa, mas o jornalismo está condenado a ter que encontrá-la, sob pena de aumentar a desorientação noticiosa.

***

Carlos Castilho é jornalista, graduado em mídias eletrônicas, com mestrado e doutorado em Jornalismo Digital e pós-doutorado em Jornalismo Local.