Em mais um ano de recessão, a economia brasileira deve encolher 2,9% neste ano, segundo a nova projeção do governo. Uma semana antes o pessoal do mercado financeiro havia estimado uma contração de 3,33%. Em seguida surgiu uma previsão pior que essa – uma recessão de 4%, número cravado pelos técnicos da OCDE, a Organização para a Cooperação e o Crescimento Econômico. As apostas podem variar, mas é difícil encontrar, dentro e fora do País, quem projete um número melhor que o do governo para 2015 e uma forte recuperação a partir de 2017.
Enquanto se multiplicam as projeções de novas dificuldades neste ano e no próximo, fontes oficiais despejam os detalhes finais da recessão de 2015. Os últimos números divulgados pelo IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, compõem um cenário de desastre.
O comércio varejista vendeu 4,3% menos que em 2014 (sem contar o recuo de 17,8% do setor de veículos) e a produção geral da indústria encolheu 8,3%. O desemprego ficou em 9% da força de trabalho, no trimestre de setembro a novembro, segundo a última PNAD, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, com números coletados em quase 3.500 municípios.
Um retrato completo da situação só viria com a divulgação pelo IBGE, prevista para o começo de março, dos números do PIB, o produto interno bruto. Não se trata mais, há muitos meses, de saber se houve recessão no ano passado. Isso é assunto vencido e a resposta positiva tem sido confirmada, a cada semana, pelos números parciais. Mas um esboço de balanço final, uma espécie de prévia do PIB, ainda seria publicado, na terceira semana de fevereiro, por um órgão oficial. O IBC-Br, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central, diminuiu 4,1% nos 12 meses de 2015.
O número geral do IBGE poderá ser diferente, talvez pouco menor, mas a ordem de grandeza está dada e corresponde às estimativas do setor privado e de entidades internacionais.
Enxurrada de números ruins
As equipes de economia dos jornais tiveram uma grande semana, com a enxurrada de números setoriais negativos, previsões de recessão ainda neste ano e talvez no próximo. Esbaldaram-se tentando antecipar detalhes da programação fiscal prometida pelo governo para sexta-feira.
O Estado de S. Paulo, por exemplo, adiantou na quarta-feira a proposta de corte de gastos para este ano, em torno de R$ 24 bilhões, e a proposta de meta flexível, com margem para déficit primário de até 1% do PIB em 2016. O Valor havia publicado na terça-feira a nova estimativa do BC para a economia neste ano, com recuo de aproximadamente 3%. Na sexta, o ministro do Planejamento, Valdir Simão, anunciou a nova estimativa do governo, contração de 2,9%. Parece mais que uma coincidência casual.
A sucessão de notícias negativas ainda foi temperada por um novo rebaixamento da nota de crédito soberano, a terceira em menos de seis meses. Em setembro a Standard & Poor’s (S&P) havia privado o Brasil do grau de investimento e jogado o País para o grau especulativo. Em dezembro a Fitch cortou a nota brasileira e retirou a classificação descrita na imprensa como “selo de bom pagador”.
Com a atividade em baixa e o endividamento público em alta, novas avaliações negativas eram previstas no mercado, mas um segundo rebaixamento pela S&P foi de certo modo surpreendente. A Moody’s, embora divulgando comentários muito negativos sobre a economia do País, ainda mantinha o grau de investimento para o Brasil.
O novo corte da nota brasileira foi, naturalmente, um grande assunto para todos os meios de comunicação, com matérias amplas e didáticas. Mas a maior parte da cobertura omitiu um detalhe muito interessante. Nas três ocasiões o corte da nota ocorreu pouco depois de um lance arriscado de política orçamentária.
No fim de agosto o governo mandou ao Congresso uma proposta de Orçamento com previsão de déficit primário. Veio o rebaixamento pela S&P. O governo recuou, mas em dezembro decidiu propor um corte da meta fiscal. Veio o corte da nota pela Fitch. Desta vez, o governo decidiu adiar por um mês – e depois diminuiu o prazo para uma semana – a apresentação do corte de gastos e das propostas de reforma fiscal. Em menos de uma semana a S&P publicou sua segunda avaliação negativa.
Nos três eventos a redução da nota foi justificada, pelo pessoal das agências, com menções à incerteza crescente em relação à política fiscal, à crise política, ao baixo nível de atividade e à dificuldade do governo para controlar a expansão da dívida publica. O Globo apontou a sequência entre os lances de política fiscal e as duas decisões da S&P, mas sem aponta a semelhança entre esses episódios e o de dezembro.
Em outras palavras: o governo assumiu três vezes o mesmo risco e a consequência se repetiu. Nas três ocasiões o atual ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, influiu na decisão da presidente Dilma Rousseff. Em setembro ele ainda era ministro do Planejamento, mas, como em vários outros episódios, sua opinião prevaleceu sobre a de Joaquim Levy, da Fazenda.
Como em outras ocasiões, um pouco mais de memória poderia ter acrescentado um pouco de tempero – e de esclarecimento – à cobertura. Um pouco mais de memória e de articulação das notícias poderia, também, ter melhorado o aproveitamento dos dados parciais sobre o desempenho em 2015. Daria pouco trabalho articular de forma progressiva os novos detalhes, como os números da PNAD, do emprego industrial, do setor de serviços etc.
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Rolf Kuntz é colaborador de O Estado de São Paulo e professor da USP